Monday, March 26, 2012

por Ana Rebelo

24 de Março, 2012


peta-zetas

ver
Aparentemente, a greve geral correu mal. Ou estarei enganada, quando digo que a razão se perde a partir do momento em que há violência?... Seja de que facção se for. Basta irmos ao facebook ver todos os comentários "se eu fosse a polícia ainda batia mais", ou "esses gajos da PSP deviam ser todos chacinados". Detesto, sempre detestei, fundamentalismo. Todos conhecemos o poder dos media, e nem que seja por isso, devemos ser conscientes a analisar estas coisas. Eu sou trabalhadora e não fiz greve. Mas sou uma das privilegiadas que pode trabalhar em casa, e pelos vistos, ainda bem, caso contrário também levava um 'soquete' de alguém (já que trabalho no Chiado - mais um privilégio), fosse fardado ou com identificação profissional. E esse é que é o problema: quem luta pelo quê?... Não entendo como é que as coisas chegam a um ponto em que mais parecemos um país de bárbaros, do que um país civilizado a lutar pelos seus direitos. 

ouvir
Eu já gostava dela, desde o tempo em que ouvi "Inside & Out". Parece uma bailarina, de pés coloridos, que flutua em cada uma das músicas timbradas pela voz doce e quente, suave e ao mesmo tempo, poderosa. No passado Domingo, eu e mais umas centenas de pessoas pudemos comprovar isso mesmo, no Coliseu de Lisboa, esse mítico local em que decorriam as festas de Natal da empresa do meu Pai, quando era miúda. Que furacão, que presença, que empatia! Feist é uma daquelas meninas-mulher que sabe bem como experimentar o seu público sem cair nos velhos clichés. E como nos aprisionar numa canção, seja pelos segredos do coração ou com a força metálica da libertação da alma! Feist, querida, tu é que és do caralho! (não sei se isto se pode dizer aqui, mas reproduzo apenas o que ela mesma disse ao público nessa noite!)

tocar
Foste como um anjo. Seguia no carro totalmente concentrada na condução, com o coração empedernido, sujeitando-o a uma daquelas músicas da M80, angustiantes - o masoquismo de quem sofre!... De repente, tu, improvável. Como um anjo enviado pelo Universo, pela galáxia e todas as estrelas!... Enviado para me consolar num abraço, pensei. Senti-te pela primeira vez, aqui, ali, naquele desvio imprevisto, como a vida sempre é, tão deliciosa de imprevistos. Estávamos ali e estávamos no momento, no momento, que mais importa senão o momento? Segui-te, sem pensar.  

cheirar
Não resisto à tentação de um bom livro. Gostava de ser daquelas pessoas que lêem antes de dormir, mas não consigo porque nunca negaria a um livro o seu próprio tempo, menos ainda, usá-lo numa corrida para apanhar o sono. Agora que ando de Metro, leio todos os dias. Encontrei o momento ideal para voltar de novo aos bons velhos hábitos, aqueles que tendemos a perder usando como bode expiatório o tempo, o gasto tempo. Sento-me quieta e os meus olhos percorrem linhas e brilham, de certeza que brilham, porque não vejo nada a não ser quando oiço a voz mecânica da sra. que anuncia a minha estação de apeadeiro. Além de ler o meu, gosto muito de perceber o que lêem os meus companheiros de viagem, e até hoje, nunca nenhum se fez rogado em deixar fotografar o seu amigo-livro e me falar um pouco dele. Ou de si. Ou até mesmo, não falar e simplesmente, sorrir.

gostar
Dos amigos. Quem disse que, a partir de uma certa idade, já não fazemos novos amigos?... (acho que eu também já disse isto, algures, algum dia numa das minhas sete vidas aqui nesta vida...), mas é mentira. É mentira, podem crer. Ai de nós que assim fosse, pois congelaríamos no tempo, velhos para além das rugas na face, a cabeça morta e a Alma que não cresceria. São as pessoas que nos rodeiam que fazem de nós quem somos, muitas vezes, que nos levam a redescobrir tanta coisa adormecida dentro de nós.   Eles andam por aí, basta que estejamos disponíveis, como em todas as relações de amor - ser amigo também é amar, com compromisso, com responsabilidade - e de coração ao largo. Gosto dos meus amigos, eles sabem todos isso porque eu estou sempre a dizê-lo. Não se esqueçam: digam a quem gostam que gostam, sempre. Digam, não sejam reféns dos vossos sentimentos. A vida quer-se assim, partilhada com beleza.

(intuir)
A poesia, que tem direito a um dia no calendário, só um dia?!... Corre-me no sangue, acelerada, e quase que se despista. Corre, acesa, como uma tocha que ilumina um caminho desconhecido. Foi o dia da poesia, e embora seja uma leiga, uma leiga, acordei com Fernando Pessoa, comovi-me com Eugénio de Andrade declamado por Mário Viegas, arrepiei-me com José Mário Branco numa inquietação cantada pelo JP Simões, e depois, depois sentei-me diante desta máquina tão inerte e pouco poética e escrevi a minha própria poesia que, humildemente, partilho convosco:


sou poesia quando uma lágrima escorrega pela minha cara ao ouvir aquela música
sou poesia todas as vezes que sorrio e o sol me faz franzir os olhos
sou poesia quando o meu coração se atira, se esquece, se zanga,
e anoitece o dia
sou palavra sem métrica, mas sou poesia
sou poeta.