Monday, November 12, 2012

por Ana Rebelo

from-me-with-love


6ªfeira-à-noite
em casa dos amigos vêm-se melhores filmes do que cá em casa. primeiro, porque estamos todos juntos e é sempre uma animação e depois porque cá em casa há uma série de limitações tecnológicas “Oh tia, a tua televisão não tem HD?!”. em casa dos amigos jantamos e conversamos antes de preparar a sala; luz baixa, um sofá familiar que dá para esticar as pernas e por os pés em cima. depois há os snaks, muitos e divertidos e com a vantagem de não incomodar ninguém com o ruído ou de poder interromper para ir à casa de banho. e claro, a manta gigante que ilicitamente nos sussurra entre um mar de almofadas fofas 'se isto for uma merda podes sempre encostar a cabeça e dormir à vontade que ninguém está nem aí’. já sem sapatos e instalados sobre o grande écran seleccionamos o filme desta sexta-feira que será “From Rome with Love” de Woody Allen. bom, agora que penso nisso, acho que fui eu quem escolheu o filme tal foi o entusiasmo quando o vi no menu ‘ai, há tanto tempo que ando para ver, que bom!’, esfregando as mãos freneticamente como só quem me conhece pode entender. e não contrariar.


isto-não-é-uma-crítica-de-cinema-por-isso-não-me-chateiem
gosto do Woody Allen por motivos que talvez não sejam os mais politicamente-correctos ou que façam boa figura. aliás, Woody é um dos seus melhores personagens, revendo-se em todos os outros que vão povoando a tela, uns mais do que outros. assim que o vejo dá-me vontade de  rir e à medida que os anos passam tenho a certeza que ele mirrou, neste filme temos um homem bem mais atarracado com a mesma cara de quem está sempre ausente do que o rodeia e ao mesmo tempo a gozar tudo e todos, não esquecendo a si mesmo e esse é um dos seus brilhantismos, sempre vestido à intelectualóide de outros tempos (em que noutros tempos ser intelectual era um estatuto e não como agora que basta citar um autor estrangeiro, gostar da cinefilia de Woody Allen ou frequentar os cinemas King para que nos chamem pseudo-intelectuais como se fossemos uma estirpe possuída por um desejo irracional de ter a mania mas sem que ninguém perceba, estirpe essa excelentemente retratada pela personagem de Ellen Paige, provando que no final, tudo se desfaz como num poema de Paul Yates).


eu-não-sou pseudo-intelectual-mas-gosto-de-ir-ao-King
e até acho que foi no King que vi um dos meus filmes favoritos de Woody: “Whatever works". a partir daí comecei a gostar mais deste pequenote neurótico e que facilmente poderia ser misógino se não fosse o seu amor arrebatado por mulheres complexas, como todas somos, e pela sua feminilidade. no entanto, esta Roma deixa-me um sabor bitter-sweet; se por um lado me apaixona o cenário, revivo nele a cidade rodeada de história, o amor em cada canto, a língua italiana e a sonoridade do discurso, a fotografia colorida e de uma felicidade intemporal, à estória falta-lhe o salero que nem a deslumbrante Penélope Cruz no seu vestidinho rendado vermelho consegue distrair. ok,  são várias estórias numa cidade e com muitas pessoas de sítios diferentes e que de uma forma ou de outra se entrelaçam e nos dão a sensação de que o acaso não é mais do que isso, tal como Woody sempre gosta de frisar nos seus filmes (vide Match Point, uma obra prima e totalmente inovadora no seu portefólio). mas tal como na maravilhosa cidade de Paris, não senti nenhum pózinho mágico que confirmasse a mística que o título do filme antecipa. 


Woody-quantos-whiskey-já bebeste?
uma novidade neste filme é a moral sempre muito mal disfarçada, atabalhoada até. quase que cada estória tem uma lição mas com a diferença de que a moral sempre sai vencedora e tudo acaba em bem, sem sequer existir hipótese para um desfecho diferente, aos bons a benesse e aos 'maus' o fogo dos infernos. esta moral básica confere ao filme todo um certo nonsense que não me caiu bem. mesmo porque, quando todos os personagens caem em tentação, dá a ideia de que esse é apenas um comportamento pontual e sem antecedentes que valham a pena mencionar, imaculando-os. no final, a máxima da vida cumpre-se com essa pitada de ser humano que descobre às duras penas que o caminho é sempre mais sinuoso mas que a luz está ao fundo do túnel; a infidelidade que não compensa, a de que a fama não traz felicidade, a de que o pecado não tem forçosamente de morar ao lado se ouvirmos a voz da nossa consciência, a de que tudo tem um lugar certo na nossa miserável existência e se-tens-uma-voz-de-tenor-porque-carga-de-água-haverás-de-ser-agente-funerário?!


Allen. Woody-Allen.
o genro-mal-humorado é a minha personagem favorita. dou gargalhadas de cada vez que olho o seu semblante, ele pragueja, ele revolta-se, ele não quer que o seu pobre Pai exponha o seu grande talento em prol da felicidade que uma vida modesta de agente funerário requer, intocável e absoluta. se repararem este personagem que podia ser o centro do enredo - protagonista da verdadeira estoria de amor que todos desejamos, uma cidade linda, uma desconhecida e o amor acontece - é somente um namorado/ genro/ filho muito chato e que passa o tempo todo a ser a voz da razão que como sabemos é uma voz chatíssima que nos incomoda quando menos nos da jeito. este é um auto-retrato que não deixa margem para dúvidas, estamos perante um clássico e como clássico, respeitemos o seu mérito.


(cá-em-Lisboa-temos-estórias-mais-interessantes)
Jack: "With age comes wisdom."
Jonh: With age comes exhastion."


Monday, November 5, 2012

por Ana Rebelo

encore une fois


"a sua grandeza reside na renúncia;"
a semana termina com uma hora extra. aquela hora que já não nos permite ter mais ilusões: o verão foi-se. o tempo quente, as brisas nocturnas, os mergulhos na praia enquanto o sol se põe. o calor das paixões que nunca o foram mas que o efeito do sol na pele julgou que sim. e as caipiroscas de maracujá. agora, quanto muito, sumo de tomate bem temperado ou uma chávena de chá à noite, antes de dormir. está bem, isso também não é mau, nem as mantinhas quando a chuva bate forte na janela. mas acabou-se a durabilidade. vamos passar a acordar de noite e a hora que parece termos ganho, esvai-se quando lá fora sai o ar frio pelas nossas bocas. e depois ainda há o ter de (des)arrumar novamente o guarda-roupa-só-sei-que-comecei-a-sentir-frio-nos-pés. muito frio, como se fossem congelar, como quando entramos no mar e deixamos de sentir os ossos, terei eu deixado de sentir (me)?... e foi tudo tão de repente, e não me venham dizer que não foi de repente porque eu conheço bem o verão, foi lá que eu nasci. está aberta a época das mudanças de humor, das lágrimas de crocodilo e da inevitável sensação pesada do ser.


"(...) a sua dignidade, em não pactuar com a mentira;"
"para ver, para dar/ para estar, para ter/ para ir, pra ouvir/ pra sorrir e entrar/ para rir, pra voltar/ a tentar, pra sentir/ e mudar, pra voltar/ a cair, para me levantar (...)". a sala encheu-se de braços que ondulavam como quando o mar está bravo e ruge. à frente, o poeta. a voz grave misturada com as luzes, com as costelas que se viam à distância num corpo seco e maltratado, os poetas padecem do tanto que dão de si até às entranhas, despindo-se até do seu bem-estar. foram horas de emoção, de palavras gritadas por esta multidão de braços levantados e ondulantes. seria amor pela poesia, como eu? quis ouvi-la pela primeira vez recitada pelo autor. foi outra emoção, aliás, foram muitas outras emoções que senti naquela sala cheia e que não saberia descrever aqui. no meio de tanta gente é quando mais nos sentimos sós. houve um momento em que pensei que não ia ser capaz, em que pensei e-agora?!, em que pensei que todos aqueles braços ondulantes ondulavam para um mesmo lado, sincronizados como se já estivessem estado todos ali. e novamente me apaziguei. sem ensaiar. pois é. a vida também não se ensaia, por mais estúpidos que sejamos ao tentar fazê-lo.


"(...) a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras."
hoje deixei-me no arrastar da preguiça (com alguns pesos de consciência). durante a tarde o repouso chega com a serenidade que a noite não traz no sono, incomodando-me com sucessivos pensamentos, os assobios do vento, as voltas na cama, apetites nocturnos e deambulações pela casa. resignada, como se alguém tivesse faltado ao nosso compromisso, volto para cama e enrosco-me como um caracol que se esconde no sítio mais seguro que conhece - a sua casca. respiro fundo mas dói-me o tórax. os dentes pesam na minha boca e daqui a pouco vai ser quase de manhã mas ainda vai ser de noite por causa da hora que ganhámos. há sempre um senão em tudo. não sonhei que os dentes me iam cair mas continuam a pesar-me, sonhei antes com coisas boas mas sem a cara das pessoas e sem saber para quem são boas, mas imediatamente soube que isso não importava se eram boas. coisas com que também sonho acordada, às vezes, mas que tento distrair para que um dia possam mesmo acontecer sem a antecipação que por vezes estraga tudo. 


"desamparado até à medula (...)"
ponho a cabeleira platinada. faço poses sexy e repenico os lábios. sou fatal, destruidora, arraso contigo num minuto e não quero saber. o meu coração é tão frio quanto a cor do meu cabelo mas sou capaz de te acolher no calor dos meus braços. fumo cigarros como uma chaminé. por instantes, só por instantes. não me importa o que pensas de mim. ponho a cabeleira preta e agarro-te para dançar. transpiro e roço-me em ti, esfregando o meu sexo no teu. gosto de andar descalça. quero levar-te para casa. quero que dances comigo toda a vida. ponho a cabeleira cor-de-rosa e os meus olhos ficam subitamente tristes. bebi muito vinho e sei que estou perdida algures, mas naquele momento, não me importa disfarçar nada. os meus olhos estão parados no tempo, entre o que sou e o que tu achas que eu sou. provavelmente vais desejar-me, com lascívia, ou então vais sentir-te impotente perante mim. se me queres, vais ter-me realmente, ainda que possas não entender tanta coisa, só e só porque nem eu mesma entendo. o que eu sei é que podemos ser aquilo que quisermos ser, especialmente se houver uma peruca a ajudar. 


"(...) afogado nas águas difíceis da sua contradição (...)"
eu podia escrever uma história assim. foi o que pensei, talvez de forma arrogante, ao ouvir a narração do texto auto-biográfico de Cláudia Clemente. eu podia pegar na minha história e escrever muitas estórias sobre ela, a minha história. é fundamental ter-se história para escrever (acho que já falei nisto algures) mas se não houver experiência, não há nada para contar. mesmo quando estamos a criar - prefiro esta à palavra 'inventar' - vamos sempre lá dentro e às vezes bem fundo à procura de um motivo para nos sentarmos a escrever. é preciso usar todos os sentidos para escrever. até podia não ser grande coisa, a estória da minha história, mas era real e ser real é o mais importante. ter alguma coisa para dizer, para contar. para transmitir e como que alguém se possa identificar. para viajar com quem quiser entrar num dos meus capítulos. cansam-me as pessoas que estão sempre a dizer que podiam e não fazem. canso-me.


("(...) morrendo à míngua de autenticidade")
shiuuu... vai começar. pressinto que tudo está apenas no início. novamente. as luzes voltarão a acender-se e o palco é imenso, nem sei para que lado me hei-de virar, de frente para uma multidão? fujo? não. dou um passo em frente, em direcção ao que parece ser uma luz branca e grande num vazio preto, não reconheço nada nas sombras, a luz ofusca-me. mas continuo, pressinto que essa luz nunca me vai largar. vai estar sempre lá, mas ainda bem, para que eu sinta com força o seu impacto, só por causa dela dou mais um passo. e outro e mais outro. passos vazios que são cheios de caminho. os aplausos trazem-me sempre de volta.