Tuesday, June 26, 2012

por Ana Rebelo

teletransporte



ninguém tem 26 anos.
dizia hoje o locutor de rádio já não me recordo a propósito de quê. ele mesmo já teve 26 anos, eu lembro-me!, a mesma voz que oiço todas as manhãs desde sempre, a acompanhar o meu ritual de início de dia. e ele lembra-se também, todos nos lembramos da passagem do tempo pelas nossas vidas até porque sempre que nos olhamos os seus sinais são evidentes e inevitáveis. e com isto não falo apenas nos sinais visíveis, tão enganadores, e sim daqueles que estão subentendidos na nossa personalidade, nas nossas acções e comportamentos. eu estou proibida de fazer uma afirmação destas no local de trabalho sob pena de ser interpretada como a velha-do-restelo, já que 90% das pessoas que me rodeiam diariamente tem esta média de idades. é a primeira vez que sou a-mais-velha e talvez quando era a-mais-nova também achasse que a idade nunca é tema. quando andamos pela casa dos vinte's parece que a vida é uma realidade fora de nós e não temos absolutamente consciência nenhuma de que não sabemos quem somos e ainda menos, de que o tempo nunca vai ser suficiente. e se houvesse uma linha a dividir o que nos separa do que julgamos que vamos ser e querer do que realmente seremos e quereremos, achar-nos-íamos os maiores saudosistas e especialmente chatos e provavelmente infelizes, porque já só teremos amigos avós ou que jogam golfe ou que dizem 'ninguém tem 26 anos'.


relax, don't do it.
se estiveres em casa e tiveres uma série de tarefas para fazer, tais como estender a roupa, apanhar a que já está seca, pôr mais uma máquina a lavar, separar o lixo para a reciclagem, arrumar a roupa da semana que ficou em monte em cima do cabide e da cadeira do quarto, passar o biquini por água e sabão e estendê-lo, tirar os pelos das pernas ou mudar a roupa de verão para o armário mais próximo, pensa duas vezes antes de passares o dia deitada no sofá a fazer zapping que nem uma louca, sem qualquer interesse que não passar pelos canais até gastar o botão de borracha do comando. não sei se é uma coisa astrológica, metafísica ou até mesmo viral, mas o mês que passou foi de alguma procrastinação. e quanto mais adiamos certas coisas, menos coragem vamos tendo para enfrentá-las, acreditem, não fosse o monte ter-se transformado numa montanha e depois ser necessário recorrer a serviços externos e que envergonham qualquer mulher de 30 anos (leia-se, à experiência organizacional e incondicional da eterna disponibilidade maternal). mas quando finalmente desbloqueamos e enfrentamos a vida, voltamos a acordar na manhã seguinte com a mesma energia de uma miúda de vinte-e-tal-anos depois de uma noitada frenética e bem regada e um menu do McDonald's ao pequeno-almoço.



não havia necessidade
sem querer ser generalista/ sexista mas tendo a noção de que é a primeira coisa que me vão chamar, há algo de assustadoramente básico nos homens que por vezes me exaspera. como a sua certeza do que nós mulheres queremos deles, assim sem passar sequer pela casa da partida. ou então, de que se lhes dermos um chuto e nunca mais os quisermos ver à frente é porque estamos muito magoadas e tristes e amargas porque eles, sim, eles não nos puderam dar o que nós queríamos. para quem passa a vida a queixar-se de que não fazem a mais pequena ideia do que as mulheres querem, parecem sempre saber bastante acerca do assunto. a ideia de que deixam de acrescentar qualquer valor à nossa vida é-lhes totalmente estranha, até absurda, e é assim que recomeçam os sms enganados, as tentativas kamikaze "vamos ser amigos sem sexo", as viagens só de ida ao outro lado do mundo, e a humildade que nunca até aí tinham realmente provado em actos vem toda ao de cima, como se tivesse estado nas profundezas à espera de ser descoberta numa grande expedição para a qual não tiveram tempo e agora já têm. dá para perceber que, apesar de tudo, quem sabe melhor o que quer para si são mesmo as mulheres? eu chamo-lhes os "wanna be", aquele género que se acha o salvador da velha glória feminina mas que no fundo quer é que o salvem a ele. 


secánevassefaziassecáski.
tenho uma amiga brasileira que diz que nós, as europeias, temos "inverno chique". para ela, o facto de poder usar um cachecol (de pano) em volta do pescoço é a alegria das temperaturas mínimas de aí uns 21º graus e motivo para ir ao shopping renovar o guarda-roupa (o melhor motivo). e nós aqui em Portugal a desejar pelo calor que vem aos poucos, esperando que não tenha sido alienado como os subsídios de férias. a noite mais curta do ano e que antecede à chegada do dia mais longo foi cheia de expectativa mas antes de inaugurarmos o verão ainda tivémos de sentir o peso da chuva nos ombros descobertos. se não houvesse a expectativa, não havia decepção, suportaríamos melhor as tempestades. suportaríamos? e a desilusão transformar-se-ia em quê, em algo vácuo e sem significado? mas, e estar à espera de tudo o que nos irá acontecer não seria absolutamente entediante e desmotivador? a perspectiva de que a dimensão do sonho é proporcional à profundidade da queda é como viver numa outra realidade para a qual não existe volta possível. e aí, é como se perdêssemos o norte, a capacidade de sentir o arrepio de frio e o frisson do calor.


this is your captain speaking.
num destes dias o meu carro foi a reboque pela primeira vez e por coincidência ou não, Portugal perdeu com a Dinamarca. a infracção custou-me mais do que os €120 que tive de pagar para recuperar o meu carrito, custou-me também aqueles primeiros segundos em que a possibilidade de nunca mais o ver ou encontrá-lo irremediavelmente desfeito, ou até mesmo de ser irrecuperável e perdido para sempre nas mãos de outro, foi a coisa mais difícil de encarar. digo-vos já que não foi pacífico. todos nós conhecemos essa desagradável sensação que é ter a certeza de que deixámos qualquer coisa, pensando-a segura, e que quando voltamos para a recuperar ela já não está lá e não fazemos a mínima ideia de como isso aconteceu ou como o permitimos. por onde começar? ai-se-eu-pudesse-voltar-atrás ou e-agora? ou nem-que-tenha-de-dar-outra-volta-ao-mundo. há sempre como começar qualquer coisa que quisermos mesmo se já não é a primeira vez que tentamos. basta estar atento à voz inconveniente cá dentro, e deixar que nos lembre o que nos move e o que subestimámos ou que verdades absolutas deixaram de o ser. depois, simplesmente entregar tudo, tudo mesmo, despindo-nos da pretensão de querer que seja tudo igual ou que o outro se esqueceu da preocupação de poder vir a acontecer de novo. 




(os olhos são o espelho da alma.) 
pois são. e quando eu não falo nem sempre é porque não tenho nada para dizer e se olhares para os meus olhos vais perceber (quase) tudo. é que nem sempre as palavras devem sair pela boca e sim ficar deitadas até conseguirem ser entendidas como deve-de-ser. e no entretanto, aguardam. deixam que outras coisas falem, outras intenções se manifestem. esperar nem sempre significa a vinda do milagre, e sim tão somente, a oportunidade de o protagonizarmos. 




Monday, June 18, 2012

por Ana Rebelo

a-saca-rolhas




olho-de-corno
não entendo nada de futebol nem faço por entender. custa-me o raciocínio quase matemático que obriga a conhecer as regras do jogo para saber quantos pontos faltam e quantas vezes temos de jogar e ganhar e com que país menos o jogador que levou duas faltas e já não pode jogar (que canseira). mas dei-me conta da polémica em redor da prestação do CR no último jogo da Selecção com a Dinamarca. ao que parece, o grande e incomparável CR a quem tecem os maiores elogios enquanto dono da bola, não foi dono de coisa nenhuma. eu não vi o jogo mas ia vendo os posts no facebook rolando como cabeças, a pedir que o tirassem de campo, oh-meu-Deus, pensei, que terá feito o puto maravilha para tamanho desprezo colectivo? ocorreu-me de imediato a velha máxima 'depressa-se-passa-de-bestial-a-besta' (vice-versa já é mais raro), pois este episódio é claramente um caso de amor-ódio-inflamado, bem à moda dos muitos treinadores de bancada que temos por aí. independentemente da prestação do CR, a qual não tenho competência para avaliar a não ser a parte óbvia dos golos (já que estes só acontecem se a bola que gira entrar na baliza, aquela rede grande que existe em cada uma das extremidades do campo e de preferência, na contrária à nossa), senti-me indignada com o chorrilho de insultos dirigidos a um dos melhores jogadores do mundo (todos dizem que sim e eu acredito). se é verdade que dos ídolos só esperamos a perfeição, a intangibilidade, também é verdade que somos nós quem os desumaniza. e depois, tão depressa damos tudo como tiramos tudo.


orelhas-de-burro
às vezes sinto que não sou capaz de gerir tanta vida ao mesmo tempo e por isso, coloco-me o peso da responsabilidade. não consigo ir a todos os lados, estar com todas as pessoas, fazer todas as coisas que quero. sou imperfeita, embora a perfeição 'manienta' me persiga e também eu me já me escudei nos outros para justificar o meu fracasso. no fundo, é tentador não termos de arcar com as consequências das decisões que tomamos. e lembra-me novamente o CR (e irrita-me isso que eu até nem ligo nada ao futebol e nem acho nada do CR), que ao sentir-se pressionado se defendeu da pior forma, é certo, mas é tão fácil sermos juízes do outro quando só pensamos nos milhões que ele ganha. e toma lá novamente CR, afinal não és um Deus e sim um miúdo de 20-e-tal-anos que ganha milhões. eu também gostava de ganhar os millhões que o CR ganha, mas eu não nasci com o talento com que ele nasceu, tampouco existirão muitos que o tenham desenvolvido e trabalhado como ele. é certo que não houve um golo sequer, que o raio-do-garoto se escondeu nas costas de outro, mas e Portugal ganhou, não ganhou? não é isso que está em causa aqui? vêem, como eu não entendo nada de futebol?...


boca-de-sapo
outra coisa da qual me lembrei com esta azáfama toda do futebol (não eram as séries e as novelas que embruteciam?...), foi dos dez estádios novos que foram construídos em Portugal algures num tempo já tão longínquo quando estes estádios que nem sei bem onde ficam.dez estádios, dez, dez, dez (estou a embrutecer). lembro-me de um que era ali para os lados do Algarve, sei que o vi da janela do carro quando viajava, imponente e brilhante sob os raios de sol de fim de tarde. não faço ideia de qual destes dez, dez, dez era mas lembro-me também de me questionar acerca de onde viriam as pessoas, o público, já que parecia deixado ao acaso numa planície esquecida. nunca mais ouvi falar de nenhum destes estádios de futebol, dez, dez, dez. talvez se tenham transformado em pavilhões gimno-desportivos ou em locais preferenciais para os saraus das escolas dos arredores. é realmente fantástica a criatividade dos nossos dirigentes. e para o provar, teria sido estruturante para o país realizar estes fracassos sem nos fazer engolir sapos atrás de sapos, tentando que acreditemos que só assim podemos sair ilesos deste campeonato de meio-campo.


nariz-de-pau
ontem terminou a 8ª temporada de Anatomia de Grey. eu sempre gostei de séries de médicos, talvez por ter pavor de hospitais, muito pavor mesmo, e na televisão tudo me parecer tão bonitinho e competente e saneado. estava feliz por estar em casa, instalada no meu sofá favorito para ver o último episódio mas logo comecei a arrepender-me, porque além de ter sido assim qualquer coisa do género trágico-fatalista-surreal, ainda fiquei com o sabor amargo de não saber o que realmente aconteceu até à próxima temporada que deve ser só daqui a não-sei-quanto-tempo. que mania esta de finais interrompidos e sequelas infindáveis, ó-srs-produtores, ainda não perceberam que tudo tem que ter um fim ou correm o risco do McDreamy deixar de nos dar pica, a Meredith parecer uma sopeira e a Yang uma cabra sem coração? tudo o que tem um princípio sempre tem de ter um fim. é certo que podem surgir novos e inesperados capítulos após um grande lapso de tempo, não é só nas séries que as coisas bonitas acontecem não fossem elas inspiradas na realidade, mas isso é só porque ainda não era o fim. outras vezes as sequelas só servem para nos encher de esperanças vãs ou iludir-nos com a infinitude de um amor que não soubemos corresponder. mas para o bem ou para o mal há sempre uma verdade inequívoca que só se confirma através da libertação, só assim percebendo se é suposto ser ou não ser. the end ou to be continued?


mãos-de-tesoura
sou vaidosa o suficiente para me sujeitar às torturas da manicure. geralmente, gosto de usar as unhas pintadas de cores fortes, outras vezes peço por cores mais quentes e que me façam lembrar a leveza com que se vive debaixo do sol. do que eu gosto mesmo é de arranjar os pés, adoro pés bonitos e também adoro o creme e as massagens e a água e esta semana aproveitei para prepará-los para vestir o tom dourado do verão. é sempre um tempo que tiramos para nós e em que aproveito para por a leitura-cor-de-rosa em dia. mas desta vez estive à conversa com a menina-manicure e é maravilhoso as pessoas que se cruzam na nossa vida, vindas de sítios tão diferentes e com estórias tão parecidas com a nossa. ela tinha os olhos grandes, de quem encerra um coração e uma estória igualmente grande. foi com generosidade que recebi das suas palavras, como se me estivesse, sem saber, a transmitir uma mensagem importante. como se não fosse em vão estar a gastar tempo num prazer tão indolente. ela parecia ter as respostas todas, aquelas para as quais eu nem procurei ainda as perguntas ou então me distraio esperando encontrar assim, esbarrando nestes pequenos sinais, aquilo que o meu coração sabe desde sempre.


(intuição-de-coração)
diz-se que criatividade é não ter medo de falhar. entendo que todas as coisas mais (im)perfeitas que fazemos são aquelas que vêm de actos espontâneos, de um pré-vazio de não sabermos o que vai acontecer, de uma incerteza que não incomoda e sim nos faz sentir vivos. entendo que nem todos podemos ser artistas, jogadores, ídolos, escritores, porque a maioria de nós não consegue ultrapassar esse medo, essa vertigem do fracasso e do julgamento dos outros. a maioria de nós não consegue tantas vezes ser quem é apenas por receio de não ser quem os outros esperam. é uma cruzada, esta. mas à medida que o caminho se desenha, há uma compensação enorme na honestidade de nos mostrarmos assim, frágeis, débeis, com medo, pois só perante a verdade de quem somos conseguimos afiar os dentes e ter a coragem de viver como sempre sonhámos.








Friday, June 15, 2012

por Ana Rebelo

efeito AXE



olhinhos
ao contrário das flores e do amor, que temos de regar muito bem todos os dias para que não murchem, as ideias devem ser das poucas coisas que não se alimentam, e sim nascem de actos espontâneos e inusitados. tenho muitas ideias sem-querer, quando estou em sítios prováveis, sítios onde se pensa muito porque existe uma paragem obrigatória no tempo e que se chama vulgarmente 'estar em trânsito'. no percurso casa-trabalho, de carro ou no metro cheio de pessoas inspiradoras nos seus gestos, olhares e acompanhantes de viagem; na casa de banho por motivos óbvios e menos óbvios (sim, eu canto e danço no chuveiro, mesmo desafinada mas cheia de vontade). mas também tenho ideias daquelas que se cospem cá para fora à velocidade que me ocorrem no pensamento e gosto desses brainstorming inusitados e carregados de emoção e expectativa. esta semana fui desafiada para um encontro de ideias relacionadas com um projecto muito interessante. avisei logo que iam sair coisas parvas e que não ia sentir-me mal por isso e a bem da verdade, as melhores ideias surgem da coragem displicente. para se ser idiota temos de assumir o mais intrínseco 'eu', esquecendo a vergonha que são os gafanhotos que nos saem pela boca à mesma velocidade do entusiasmo, os gritinhos parvos de vitória quando as ideias são mesmo interessantes mas sobretudo, ter a humildade de reinventar aquilo que já foi  inventado com a frescura e cheiro a novinho-em-folha.

ouvidinhos
sábado passado fui ver Jp Simões ao CCB. lembrava-me dele de uma-espécie-de-espectáculo intimista no pátio do Museu do Chiado, por alturas de um ano atribulado, sentado numa cadeira e de viola na mão, um poeta descomprometido na sua capacidade de transformar ideias em palavras e dizê-las com a voz que desejamos um dia, nos sussurre ao ouvido. na altura conhecia pouco do seu trabalho, mas a curiosidade levou-me a percorrer páginas do Google e vídeos no Youtube, até aos tempos dos Belle Chase Hotel e Quinteto Tati e Pop D'el Arte e tantos projectos que são cada uma das nossas vidas vividas numa só vida que é esta. numa altura em que nos sentimos todos um quanto revoltados com o mundo que virámos de pernas para baixo, soube melhor ainda dar voz a tantas coisas que não sabemos expressar em época incerta, como a baixa empregabilidade, a corrupção política ou os tipos que deixam as mulheres para ir à rua comprar cigarros e nunca mais voltam.

boquinha
para a semana começam as festas populares e o Santo António é um santo que merece uma festa. simpatizo com este santo, que me escolheu, talvez pela simplicidade com que segura uma criança nos braços, talvez pelas vestes simples e pés descalços, talvez porque adoro aqueles Sto António kitche de todas as cores, até tenho um cá em casa, todo branquinho em cima de uma pianha dourada. sou o que se chama uma alfacinha de gema, nascida na freguesia mais mediática de Lisboa nos anos 70 e não, não sou filha da maternidade Alfredo da Costa. gosto muito dos bairros de Lisboa, da história que neles se encerra e as festas populares servem para nos relembrar as tradições de Lisboa antiga misturada nos laivos de modernidade das roulottes de farturas e dos concursos para a melhor sardinha Lisboeta. para mim esta festa que celebra a Lisboa mí(s)tica e cheia de manjericos é geralmente a oportunidade para exercer o bairrismo puro-e-duro, para ouvir e bailar ao som da música pimba e gostar, para comer sardinhas no pão em cima de toalhas de plástico aos quadrados vermelhos num vão de escada e gostar, para andar-tudo-ao-molho-e-fé-nos-santos pelas ruas acima até ao Castelo e gostar, enfim, para nos lembrar que Lisboa é das cidades mais bonitas do mundo sem que tenhamos que lê-lo na Times ou vê-la no programa do Bourdain, legitimando-a.


narizinho
o maior dos antídotos para a depressão de um povo é um jogo que faz girar uma bola de um lado para o outro, especialmente em alturas de competição internacional. não querendo menosprezar a grandiosidade do desporto rei - e menos ainda ser atacada na rua por um fanático qualquer - a tristeza e alegria deste nosso povo português pode ser, hoje em dia, medida pelo futebol. fazem-se anúncios a apoiar a selecção, dão-se testemunhos mediáticos que incentivam os nossos jogadores, empregam-se os slogans mais conhecidos para fomentar a união de um país inteiro num mesmo objectivo, numa só missão. esquecem-se os governos e os partidos, os homofóbicos e os católicos, a lei do aborto e da pílula do dia seguinte, os impostos extra, as custas da diária dos jogadores, os lobbys e corrupção e assaltos e violência nas ruas. há mais harmonia no local de trabalho, nos cafés, no encontro com o vizinho que vai passear o cão à rua. e tudo por causa de um jogo que faz girar uma bola de um lado para o outro. contudo, e uma vez mais, é assinalável esta entrega que faz com que ninguém se lembre das coisas importantes para praticar um dever que é o de todos e um dos mais elementares numa sociedade: o patriotismo.


mãozinhas
em tempos de crise evitar os canais de notícias, telejornais e qualquer-semelhança-com-a-realidade-não-é-pura-coincidência. eu acredito nisto e pratico a informação selectiva, entregando-me também a outros prazeres mais terrenos e ociosos como esperar pelas 5as feiras para ver a Anatomia de Grey na FoxLife, mesmo que já conheça de cor e salteado o segredo da mistura. outro dia li algures uma crítica às series e telenovelas que trazem à vida das pessoas sonhos e ilusões que as embrutecem, subvertendo mesmo as mentes mais criativas, tornando-as em vulgares e comuns, como a de qualquer mortal. a provocação custou ao autor reacções ácidas e irreversíveis, pois até as pessoas intelectualmente mais despertas têm direito a desfrutar de prazeres tão simples quanto o não pensar em nada ou gostar de coisas que não tenham necessariamente um objectivo específico. aliás, porque a inteligência também tem o seu preço e uma das facturas a pagar é ter de engolir as barbaridades que se ouvem nas notícias e viver de bem com a vida, sem pensar que os últimos cinco meses que trabalhámos foi para pagar os impostos da empresa pública que é o Estado português. eu cá para mim vou continuar a fazer mapling, a ver a Fox Life e a comer chocolate com manteiga de amendoim como se não houvesse amanhã. chamem-me pobre de espírito.


(o poder da atracção)
daqui a umas horas começa aquele filme, aquele em que o casal outrora separado pelo tempo e pelo espaço se reencontra, agora num outro tempo e noutro espaço que é aquele onde cresceram e se tornaram melhores, para si e para os outros. há uma certa inocência neste reencontro, e ao mesmo tempo, a esperança de que os seus verdadeiros 'eu' se tenham reinventado. há uma expectativa sem expectativas porque já existiram juntos e agora se desenha uma possibilidade que desconhecem, e como as ideias, inadvertidamente, desejam um reencontro que signifique futuro, mesmo não sabendo o dia de amanhã.

Monday, June 4, 2012

por Ana Rebelo

roda gigante



olheiras
comecei a semana em overbooking. a agenda enche-se de compromissos mas não sei bem para onde ir a não ser pelos detalhes que tenho escritos na agenda de papel sem a qual não passo. há vidas que se planeiam mas não posso queixar-me da minha que pouco me deixa planear e ainda bem, se tudo pode mudar amanhã e é mesmo verdade, pode. (amanhã pode ser que me reencontres e eu esteja novamente nos teus braços). um-dia-de-cada-vez manda que me mexa perante os silêncios que me imponho, que os ignore e lhes faça frente, de tão ensurdecedores, silêncios de razão difusa, toldada. estes silêncios forçados quase em penitência são sempre dramáticos, e afinal nem tudo pode ser sempre tão intenso, não pode, não sabemos comportar tanta intensidade. (pára. pára. fica alerta). e se por acaso me perco num labirinto que quase não me deixa respirar, as palavras encravam-se na minha maçã de adão, doendo-me porque não posso falar senão as lágrimas caem e eu não consigo articulá-las porque começo a chorar, então saio. saio para a rua para ver gente e coisas e perceber que tudo continua lá. saio para ver pessoas que talvez também saiam para não chorar, mas saio, deixando-me disponível para acreditar, acreditar que as coisas boas ainda acontecem, que as pessoas boas ainda existem, e não, não vamos todos agora desistir do amor, aquele amor dos poemas escritos com letras lindas, faladas ou cantadas, onde nem sempre se desiste, nem sempre se desiste porque é mais fácil desistir do que acreditar, somente acreditar, que pode ser para nós.


piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
hoje almoço contigo, amanhã contigo e depois outro. hoje falo contigo e amanhã contigo e depois outro. hoje não me apetece falar porque já não tenho forças para contar tudo outra vez, porque me escasseia a coragem, porque me obriga a pensar de novo no que ainda não parei de pensar. saio e vou ver coisas. pareço uma criança que vai ao circo pela primeira vez e os olhos brilham como os maillots das assistentes do mágico que tira coelhos da cartola. estou dentro do castelejo, rodeiam-me as muralhas e ao fundo julgo ouvir o ruído das batalhas de outrora onde ganhar ou perder significava conquistar. está escuro, lusco-fusco ainda, depois a noite veste-se de preto. há árvores e parece que alguma coisa mais vai acontecer e o preto começa a tingir as muralhas. chove mas não é realmente chuva e as muralhas do castelejo iluminam-se, vai começar. ainda não vi nada e tudo já começou para mim. os meus olhos dilatam e a minha boca não consegue fechar-se completamente, pareço uma criança que vai ao circo e está sempre à espera do próximo número. as luzes, o movimento, as sombras de cor reflectidas pelas imagens contam a história da minha cidade que eu amo e estou sempre a descobrir em cada recanto (conta-me uma estória, conta). é aqui, dentro das muralhas do Castelo de São Jorge e ao som do piano de Sassetti, da guitarra Portuguesa de Carlos Paredes e do som alternativo de Dead-Combo que aprendo sobre quem é Lisboa. (senta-te quieta). quando acaba, volto ao meu pensamento, mas só porque sei que posso escapar-lhe sempre que quiser.



bafo quente
e vou ver coisas. e há coisas belas, como a Primavera. ontem, começou a Primavera, bela. sagrou-se nos corpos que a dançam, que a transpiram, que a sentem como uma energia que sobe por si acima. nem sempre foi fácil, nem sempre foi doce, houve gritos e murmúrios de dor. mas também há terra que dá vida aos corpos que se entrelaçam, que se esfregam com a ânsia do desejo e que gritam por não poder satisfazê-lo. (beija-me o pescoço). na Primavera há movimento e música, a música que o coração toca quando estamos apaixonados, ouve-se a toda a hora. tenho saudades da música que tocava quando me apaixonei e fiquei ali, a ouvi-la em pano de fundo, tonta com o rodopiar dos corpos rijos e secos, ansiando entregar-me novamente, embriagar-me de passado. mas o tempo voou... como sempre o tempo voa quando há desejo. (isso é porque eu sou bonita). quando terminou fiquei com uma sensação de soube-a-pouco, não estava à espera que fosse tudo tão rápido, tão breve... eu não estava à espera que quisesses mais um beijo meu.



ainda o mesmo cheiro
põe os pés no chão e deixa os cabelos ao vento. é assim que me sinto muitas vezes, como se tivesse de me situar mas não quisesse, como se a liberdade chamasse por mim e eu não a quisesse. quero-a e talvez esteja mais perto do que nunca, mas para ser-se livre é preciso estar preparado para a solidão. é um sentir-se só diferente, já não é desesperado nem ansioso nem dependente. é antes acompanhado por ninguém melhor que nós, um paradoxo é certo, mas que não nos deixa senti-la enquanto solidão. há nisto alguma tristeza pois também é essa liberdade que nos tira o outro ombro onde descansar a cabeça quando já não sentimos força para continuar. é nela que nos falta ter a quem contar o dia de trabalho ou para surpreender com as coisas mais pequeninas, como uma canja quente para curar uma constipação. por outro lado, há nesta liberdade nova e que desconhecia uma interdependência que já não encontra espaço para encantadores de cobras em mil-e-uma-noites, somente para salteadores que persigam o mais perfeito e raro dos tesouros.
quem vê carasmesmo com a quantidade de canais e ruas e outras estradas do conhecimento, há pessoas que vivem fechadas no seu mundo. passámos a ser globais mas ainda há muita gente que vive no seu quintalinho e com trancas à porta, não vá ser corrompido pelo mal que vem de tudo o que lhe é estranho e vil no mundo que não é o seu, julgam. nem é pela questão da informação, todos sabemos que tudo o que é demais perde o encanto e a sua veracidade é por vezes dúbia. é mesmo pela limitação que amarrota os cérebros destas pessoas, afectando não só a sua mentalidade como estimulando nas mentes mais incautas a propagação dos sintomas. mesmo sabendo que tudo isso não passa de uma imensa insegurança de quem não pode parar sob pena de se enxergar e não gostar do que vê, irrita-me quando olham os outros de lado e criticam quem tem mais interesses que não os que domina, outras ambições e formas de estar, como se fossem estes os estranhos, sem a noção de que existe legitimidade no ser de cada um de nós.



(... não vê corações)
ainda sou inocente como uma criança. não, já não sou, não há como conservar essa inocência intacta pelos anos que no-la tentam levar. poder exercê-la em parte é já uma benção e há vestígios em mim dessa inocência que por vezes engana, e outras é enganada. quando uma criança sorri para mim na rua reencontro-me nessa paz, entendo-me. (brinca comigo). quando eu era criança queria crescer e agora que sou crescida quero tantas vezes voltar atrás. mas saber o que sei hoje, olha-olha. rio-me cada vez que caio nesta contradição porque se assim fosse, esta inocência nunca teria sido plena e nem agora, poderia eu resgatar o que dela encontro no meu mais espontâneo reflexo. quando era miúda esfolei os joelhos a jogar futebol mas marquei um golo antes, o que fez com que a dor e a mancha vermelha de tintura de iodo em cada joelho, tivessem valido a pena. hoje, que sou adulta, tenho medo de brincar contigo sem recear magoar-me. (não desistas do que queres, nunca).