Monday, April 2, 2012

por Ana Rebelo

2 de Abril, 2012


menos com menos dá mais 

não te oiço
a chuva costumava afectar bastante a minha disposição. os dias ficam cinzentos e o céu parece que está zangado, ameaçando trazer à tona qualquer pequena angústia, desenhando-a tridimensionalmente. hoje não tenho absolutamente nenhum motivo para querer ficar em casa com a chuva a bater na janela, embora cultive o romantismo do calor a dois num dia de grande tormento. hoje gosto da ideia de que a chuva limpa tudo, até os pensamentos. hoje gosto da chuva porque precisamos da chuva para cultivar a terra e fazer crescer vida. hoje gosto da chuva porque é um anti pirético natural do melhor. mas sobretudo e mais espectacular que tudo, hoje gosto da chuva porque trouxe de volta as galochas, e agora com mais glamour! elas regressaram e com elas a água sagrada que cai do céu em pocinhas para saltar. acho mesmo que elas são o antídoto para combater os fígados que um dia como o de hoje pode implicar, pelo menos, até que o arco-íris surja por detrás das nuvens, como sempre surge.

não me apetece falar
tenho o maior respeito pelos sem-abrigo. aqui na rua onde trabalho há um homem muito desarrumado e sujo que custuma espreitar pelos vidros e ficar parado a olhar para nós cá dentro, sentados nas nossas secretárias com o computador à frente. olha-nos como se fossemos absolutamente estranhos. se ele não passa um dia, sentimos a falta dele. verdade. penso que há um sentimento generalizado de pena, e muitas vezes, de incompreensão acerca destas pessoas que vivem em caixotes ou se acomodam nas paragens dos autocarros. É que nós é que somos os estranhos, pois na maioria das vezes, um sem-abrigo não vive na rua porque quer, e sim porque já não saberia como viver noutro lado. As razões disso podem ser tão abrangentes como as diferenças que existem entre cada um de nós, aqui nas nossas casas quentes e vidas felizes.

não cheiro o teu perfume
facto, a crise existe, é real, está para ficar. pronto, já se fala tanto nisso, os jornais, os apresentadores de televisão, os humoristas, a música do Boss AC, não haverá forma de mudar o disco? preferimos agarrar-nos ao facto de sermos o país do fado e da saudade, alimentando o cliché da nostalgia e da pieguice. ainda assim, conheço quem decida sair da sua zona de conforto (e não estou a falar do sofá fofo lá de casa), e vá fazer pela vida. Um destes dias lembrei-me que gostaria de partilhar com os outros a minha energia para Sonhar (e não estou a falar daqueles sonhos que ficam na almofada depois de deixarmos a cama quentinha todas as manhãs). É um facto, a crise existe e não é apenas financeira, bolsista, grevista. Facto, a crise é de valores, sentimentos e Sonhos. tudo bem que existe um antes e um depois que divide a minha geração: os filhos da Repressão e os filhos da Revolução. Eu sou da segunda leva, e talvez por isso me intrigue quem viva numa ilusão que criou de si mesmo, incapacitado de Ser e de sonhar com as coisas maravilhosas de todos os dias.

não és intocável
ter auto-estima é fundamental nos dias que correm. conheço cada vez mais pessoas com uma maior auto-estima, umas pelas evidências do amadurecimento, outras porque a sua vida andou a brincar com coisas sérias, como a saúde dos que amamos, ou terá sido pela tomada de consciência de que, para além disso e de filmes de terror, não há mesmo nada pelo que temermos nesta vida. foi assim que dei por mim a reflectir sobre qual será a fronteira em que a nossa capacidade de afirmação e auto-confiança, passa por arrogância ou défice de humildade. já para não falar quando os egos areados competem entre si. em todo o caso, não rejeitem orgulhar-se dos vossos feitos. tragam-nos ao peito, enfrentem as armadilhas mais ardilosas, e em última análise, celebrem também o sucesso daqueles que admiram, como se do vosso se tratasse.

(ninguém é desprovido de intuição)
gosto muito de muita coisa, mas não tanto como de Teatro. a semana passada comemorámos o Dia Mundial do Teatro e voltei a sentir, talvez, voltei a sentir que ainda há esperança. não só para mim, porque cada vez que vejo um palco me imagino nele, mas também para quem nele e por ele vive. tenho visto muito bom teatro, desde produções mais endinheiradas a outras mais alternativas. há uma peça de que gostei muito e que vi na Culturgest: “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas”, de Tiago Rodrigues. foi como se me lembrasse, de repente, que apesar de ser adulta - sim, penso recorrentemente que o “quando Eu for grande” é já - eu gosto muito de girafas e de ursos com nomes retro e que dizem palavrões feios. e da criança que nunca irá morrer em mim. 

1 comment:

  1. Não te oiço
    a água lava-me a alma, e a chuva não é excepção.

    não me apetece falar
    Olha-vos como peixes no aquario?

    não cheiro o teu perfume
    Há 10 anos no meio de uma conversa non-sense um amigo meu disse "Tu és cor-de-rosa". Dou graças a deus por isso..

    Não és intocável
    Auto-estima & humildade - uma balança que para muitos é difícil de equilibrar

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