Monday, April 16, 2012

por Ana Rebelo

16 de Abril, 2012

será que me safo?


olhos cor de mel
esta Páscoa fui à terra. sou alfacinha e dizem que Lisboa não é terra, por isso é bom ter terra para onde ir, especialmente nas épocas festivas. na minha terra por afinidade comem-se petiscos maravilhosos: o bolo de azeite com queijo da serra, a farinheira com arroz de grelos, o bolo escuro da minha madrinha. são dias excepcionais e por isso, comemos coisas excepcionais. também fazemos coisas excepcionais, como revisitar os sítios da aldeia onde brincámos, as ruas por onde passava a procissão - lembro-me de um vestido azul petróleo especialmente feito para a festa, - pela fonte de água fresca onde brincava com as primas da minha Avó que são também minhas primas e onde íamos buscar a água num pote de barro. quando vamos à terra há sempre muitos familiares para visitar. os que conhecemos desde sempre, os que conhecemos mas já não vemos há muito tempo, e sobretudo os que não conhecemos mas que nos conhecem. também eles são todos da nossa família por afinidade. e há sempre uma agenda de compromissos muito intensa e encontros com muitos beijos e abraços e perguntas e constatações de todo o género. "ai que a garota está tão crescida!". é bom ir à terra porque fazemos e comemos e reencontramos lugares e pessoas excepcionais.


ouvidos para escutar
para ouvir tudo, mesmo tudo o que não queremos ouvir. estou cansada de ouvir a palavra 'subir'. os combustíveis vão 'subir', a água vai 'subir', a electricidade vai 'subir', os passes de transporte público vão 'subir', as scuts vão 'subir' (alguém me pode explicar a lógica das scuts mas sem usar esta palavra?...). estou cansada de ouvir notícias com títulos que me fazem 'subir' o sangue à cabeça. estou cansada de ouvir a demagogia de uns e a imbecilidade de outros. os meus ouvidos têm-me doído. menos quando oiço o novo álbum dos Gotya ou as manhãs da Antena 3 ou o riso dos momentos felizes. mas mesmo na inevitabilidade de, socialmente, termos de ouvir o que não queremos, nas nossas vidas pessoais podemos sempre escolher o que queremos ouvir. e depois aceitar que também há consequências para as palavras que escolhemos não ouvir porque nem sempre são ditas por querer, ou porque quem as disse não soube como dizê-las. 


boca mágica
hoje, o dia em que escrevo esta crónica, é sexta-feira-treze. popularmente conhecido como o dia do azar, mas agora não está na moda ser-se popular e deve ser por isso que oiço muita gente dizer que adora as sextas-feiras-treze. eu sempre passei por baixo das escadas e dos andaimes e gosto muito de gatos pretos em quaisquer outras sexta-feira-do-ano. também descobri agora que hoje é o dia internacional do beijo. e ainda que nos dias que correm não esteja na moda e tão pouco seja popular dizer o que sentimos, sou louca por beijos. sou louca por beijos. sou louca pelos teus beijos. teus, beijos carinhosos, Mãe. teus, beijos apaziguadores na testa. teus, beijos que estalam na minha boca como as peta-zetas, teus em mim, na minha face ou nas pálpebras dos meus olhos cerrados. mas hoje, no dia em que escrevo esta crónica e é sexta-feira-treze, acordei com o sabor amargo do teu para mim, meu para ti, último beijo.


nariz empinado
acabei de ver o meu primeiro vídeo de Tony Robbins. para quem não sabe, este sr. é considerado um dos gurus de desenvolvimento pessoal do mundo. eu chamar-lhe-ia antes um catalisador ou um contribuidor para a renovação das energias pessoais - sim, as nossas energias também são renováveis, assim como as nossas vidas, como é que ainda é tão difícil percebermos isso?... por vezes quem ouve e/ ou vê estas pessoas falar uma primeira vez pode pensar que é tudo um cambalacho. um chorrilho de clichés do tipo 'querer é poder' e coisas essas afins. acho que também já pensei um pouco isso até ter dado por mim a ler um desses livros cuja capa receamos que denuncie algum estado de perturbação grave. mas isso é porque ainda temos de aprender muito sobre nós e estes livros e estes autores são tão legítimos quanto os grandes clássicos da literatura, no seus devidos segmentos. uma coisa é certa: somos aquilo de que nos rodeamos e deixo-vos aqui um desafio que todos os dias coloco a mim mesma: rodeiem-se de quem e do que é importante para vocês e para as vossas vidas e não do que querem que seja.


mãos trémulas
esqueci-me do telemóvel em casa hoje. e exactamente como se prevê nestas situações, toda a gente tentou contactar-me hoje. para remarcar o compromisso há muito desejado, para cancelar a manicure que só faço uma vez quando o rei faz anos, para pedir desculpa quando já não há mais desculpas para pedir. um dia sem telemóvel. um-dia-sem-telemóvel. pensei em voltar para trás mas decidi que não dependo de algo sem o qual vivi durante tantos anos da minha vida. enquanto cresci só havia um telefone lá em casa, fixo e preto e que rodávamos para marcar os números e através do qual esperávamos receber todas as mesmas notícias que hoje recebemos. e mesmo que não viessem a tempo, essas notícias, esses imponderáveis, havia sempre um tempo que era mais real, um tempo para tratar de tudo pessoalmente sem que nada se perdesse, pelo contrário. pelo contrário.


(intuição declarada)
um dia escrevi-te: "os meus olhos são castanhos esverdeados. quando o sol lhes toca aquele anel que define o círculo perfeito da íris fica mais verde. o castanho é cor de mel. os meus olhos riem sempre a duas cores e tornam-se ainda maiores. sorrio. as minhas mãos são pequenas mas os meus dedos são compridos com os nós grossos. costumavam dizer-me que tinha dedos de pianista e eu gostava. nunca toquei piano. mas quero andar de mãos dadas. sonho." um dia escrevi-te assim, despida. e para que essas palavras não fiquem esquecidas no mundo virtual algures num enredo não tão menos virtual, hoje, no dia em que escrevo esta crónica e que é sexta-feira-treze, ainda vou sonhar mais, beijar mais e passar por baixo de muitas mais escadas e andaimes. mas a sorte sou eu quem a define. viva a sorte das sexta-feira-treze.

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