Monday, April 9, 2012

por Ana Rebelo

9 de Abril, 2012


o arco-íris dentro de nós


olhar
cuidado com o que desejas. é a lição de "Alice no País das Maravilhas". pelo menos, aquela que escolhi para o meu público-alvo, as crianças. em mais um desafio profissional, tenho vindo a descobrir que há em todos os clássicos infantis uma complexidade que não esperava encontrar. compreendo agora a a necessidade de criar versões fantásticas e realmente belas, que povoem o nosso imaginário apenas com fadas mágicas, princesas e animais falantes, cuja moral se concentre sempre nos paradoxos essenciais da vida. cuidado com o que desejas. já mais tarde, no início deste meu percurso no mundo dos adultos, também foi um dos conselhos, agora percebo, mais valiosos. sou uma Alice num país que não é maravilhoso. desejo. mas aprendi que há sempre um coelho branco a espreitar.


escutar
decidi convencer-me de que só passava por lá porque era de passagem. pumpum. era o meu coração a avisar-me que não era só isso. pumpum. era novamente o meu coração, mas desta vez, a ceder ao desejo, puro desejo, de te rever, que me revisses. pumpum. pumpum. houve uma luz que acendeu no teu rosto e que quase me encandeou, como os máximos de um carro quando se cruza no nosso caminho. cruza e passa, passa, sem deixar rasto. pumpum. pumpum. pensei que por ser rapido seria passageiro. mas o meu coração avisa-me que já não falta muito para que volte a apertar. fujo, não sei de quê. talvez do que não entendo. pum. apenas uma batida. pum. cuidado com o que desejas.


falar
das tuas palavras que fiz minhas. enredei-me nelas, vivi-as intensamente, quase tanto como quando ditas por ti. quase tanto como quando me procuraste por causa de um suspiro que, pensei, ninguém tivesse escutado. apropriei-me delas, das palavras, das tuas que por vezes também são minhas, das tuas que me disseste com um sorriso decidido, das minhas que partilhei contigo, sem medo de que não fossem iguais às tuas. depois, depois, projectei tudo como num daqueles romances, daqueles de que se gosta muito. dizem que me apaixonei mas não acredito nisso. dizem que me apaixonei por um escritor. dizem que me apaixonei por um livro. num suspiro. daqueles suspiros rápidos e tão breves, que nunca mais os conseguimos recuperar.


cheirar
Chiadar é a nova palavra que aprendi e cada vez que olho pela janela-montra do escritório e vejo o eléctrico nº28 que vai para os Prazeres, revivo o significado desse verbo inventado. e que bem inventado. a cada dia que ando pelas ruas desta mítica zona de Lisboa, descubro sempre coisas novas e eu achava que conhecia o Chiado. não se trata apenas da Rua Garrett e do Fernando Pessoa na Brasileira (conhecem o Fernando Pessoa com cara de livro na bonita Praça do Teatro São Carlos?). ou dos croissants da Bénard. falo da Rua da Anchieta, do Loreto e até do Largo do Camões de onde podemos voltar a ver a Igreja dos Italianos, limpinha e já sem tapumes e toda pintadinha de azul.  


tocar
nos outros. às vezes, queremos alcançá-los, mas não conseguimos. temos de deixá-los fazer o seu caminho, mesmo se achamos que não será o melhor caminho. mesmo se sabemos, por evidências, que as premissas não são correctas. e mais ainda, mesmo quando sabemos que, no fundo, eles sabem. tu-sabes-que-eu-sei-que-tu-sabes. há caminhos que têm de ser feitos, e temos de saber deixar os outros fazê-los. assim, na cegueira do medo a que se devotam. porque só o medo, o medo de ficar eternamente cego, os trará de volta.


(intuição filha-da-puta)
mais do que medo de morrer, receio a velhice sem norte. quando já não sabemos cuidar de nós, quando já não nos resta senão um rasgo de lucidez. apenas e talvez, um rasgo. que pensará alguém que numa fracção de segundo percebe que sabe que já não está neste mundo senão nessa fracção de segundo? quando o corpo é apenas matéria, ocupa espaço físico e a cabeça já está noutro lugar que não é bonito nem mágico. não tenho medo do pescoço encarquilhado ou das mãos com as veias saídas. tenho medo de ficar presa dentro de um corpo que já não é meu. mas acima de tudo, numa cabeça que já não sabe de quem é.

1 comment:

  1. Olhar
    A moralidade sincera das histórias apaixona-me. As boas - e grandes - histórias vivem de uma moral implícita.
    Cuidado com o que desejas, mas não deixes de desejar :)

    Escutar
    Pumpum pumpum pumpum PUM! É, os ataques cardíacos dão nisto...

    Falar
    Apaixonaste-te por palavras tecidas à tua medida, por um tecelão de palavras. Escritor, cantor, poeta... uns manipuladores de palavras.

    Cheirar
    Chiadar é um luxo, o teu!

    Tocar
    "há caminhos que têm que ser feitos" e deixar os outros fazê-los é uma virtude que nem todos têm

    (Intuição filha-da-puta)
    Não há virtude na velhice, filha-da-puta!

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