Monday, June 4, 2012

por Ana Rebelo

roda gigante



olheiras
comecei a semana em overbooking. a agenda enche-se de compromissos mas não sei bem para onde ir a não ser pelos detalhes que tenho escritos na agenda de papel sem a qual não passo. há vidas que se planeiam mas não posso queixar-me da minha que pouco me deixa planear e ainda bem, se tudo pode mudar amanhã e é mesmo verdade, pode. (amanhã pode ser que me reencontres e eu esteja novamente nos teus braços). um-dia-de-cada-vez manda que me mexa perante os silêncios que me imponho, que os ignore e lhes faça frente, de tão ensurdecedores, silêncios de razão difusa, toldada. estes silêncios forçados quase em penitência são sempre dramáticos, e afinal nem tudo pode ser sempre tão intenso, não pode, não sabemos comportar tanta intensidade. (pára. pára. fica alerta). e se por acaso me perco num labirinto que quase não me deixa respirar, as palavras encravam-se na minha maçã de adão, doendo-me porque não posso falar senão as lágrimas caem e eu não consigo articulá-las porque começo a chorar, então saio. saio para a rua para ver gente e coisas e perceber que tudo continua lá. saio para ver pessoas que talvez também saiam para não chorar, mas saio, deixando-me disponível para acreditar, acreditar que as coisas boas ainda acontecem, que as pessoas boas ainda existem, e não, não vamos todos agora desistir do amor, aquele amor dos poemas escritos com letras lindas, faladas ou cantadas, onde nem sempre se desiste, nem sempre se desiste porque é mais fácil desistir do que acreditar, somente acreditar, que pode ser para nós.


piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
hoje almoço contigo, amanhã contigo e depois outro. hoje falo contigo e amanhã contigo e depois outro. hoje não me apetece falar porque já não tenho forças para contar tudo outra vez, porque me escasseia a coragem, porque me obriga a pensar de novo no que ainda não parei de pensar. saio e vou ver coisas. pareço uma criança que vai ao circo pela primeira vez e os olhos brilham como os maillots das assistentes do mágico que tira coelhos da cartola. estou dentro do castelejo, rodeiam-me as muralhas e ao fundo julgo ouvir o ruído das batalhas de outrora onde ganhar ou perder significava conquistar. está escuro, lusco-fusco ainda, depois a noite veste-se de preto. há árvores e parece que alguma coisa mais vai acontecer e o preto começa a tingir as muralhas. chove mas não é realmente chuva e as muralhas do castelejo iluminam-se, vai começar. ainda não vi nada e tudo já começou para mim. os meus olhos dilatam e a minha boca não consegue fechar-se completamente, pareço uma criança que vai ao circo e está sempre à espera do próximo número. as luzes, o movimento, as sombras de cor reflectidas pelas imagens contam a história da minha cidade que eu amo e estou sempre a descobrir em cada recanto (conta-me uma estória, conta). é aqui, dentro das muralhas do Castelo de São Jorge e ao som do piano de Sassetti, da guitarra Portuguesa de Carlos Paredes e do som alternativo de Dead-Combo que aprendo sobre quem é Lisboa. (senta-te quieta). quando acaba, volto ao meu pensamento, mas só porque sei que posso escapar-lhe sempre que quiser.



bafo quente
e vou ver coisas. e há coisas belas, como a Primavera. ontem, começou a Primavera, bela. sagrou-se nos corpos que a dançam, que a transpiram, que a sentem como uma energia que sobe por si acima. nem sempre foi fácil, nem sempre foi doce, houve gritos e murmúrios de dor. mas também há terra que dá vida aos corpos que se entrelaçam, que se esfregam com a ânsia do desejo e que gritam por não poder satisfazê-lo. (beija-me o pescoço). na Primavera há movimento e música, a música que o coração toca quando estamos apaixonados, ouve-se a toda a hora. tenho saudades da música que tocava quando me apaixonei e fiquei ali, a ouvi-la em pano de fundo, tonta com o rodopiar dos corpos rijos e secos, ansiando entregar-me novamente, embriagar-me de passado. mas o tempo voou... como sempre o tempo voa quando há desejo. (isso é porque eu sou bonita). quando terminou fiquei com uma sensação de soube-a-pouco, não estava à espera que fosse tudo tão rápido, tão breve... eu não estava à espera que quisesses mais um beijo meu.



ainda o mesmo cheiro
põe os pés no chão e deixa os cabelos ao vento. é assim que me sinto muitas vezes, como se tivesse de me situar mas não quisesse, como se a liberdade chamasse por mim e eu não a quisesse. quero-a e talvez esteja mais perto do que nunca, mas para ser-se livre é preciso estar preparado para a solidão. é um sentir-se só diferente, já não é desesperado nem ansioso nem dependente. é antes acompanhado por ninguém melhor que nós, um paradoxo é certo, mas que não nos deixa senti-la enquanto solidão. há nisto alguma tristeza pois também é essa liberdade que nos tira o outro ombro onde descansar a cabeça quando já não sentimos força para continuar. é nela que nos falta ter a quem contar o dia de trabalho ou para surpreender com as coisas mais pequeninas, como uma canja quente para curar uma constipação. por outro lado, há nesta liberdade nova e que desconhecia uma interdependência que já não encontra espaço para encantadores de cobras em mil-e-uma-noites, somente para salteadores que persigam o mais perfeito e raro dos tesouros.
quem vê carasmesmo com a quantidade de canais e ruas e outras estradas do conhecimento, há pessoas que vivem fechadas no seu mundo. passámos a ser globais mas ainda há muita gente que vive no seu quintalinho e com trancas à porta, não vá ser corrompido pelo mal que vem de tudo o que lhe é estranho e vil no mundo que não é o seu, julgam. nem é pela questão da informação, todos sabemos que tudo o que é demais perde o encanto e a sua veracidade é por vezes dúbia. é mesmo pela limitação que amarrota os cérebros destas pessoas, afectando não só a sua mentalidade como estimulando nas mentes mais incautas a propagação dos sintomas. mesmo sabendo que tudo isso não passa de uma imensa insegurança de quem não pode parar sob pena de se enxergar e não gostar do que vê, irrita-me quando olham os outros de lado e criticam quem tem mais interesses que não os que domina, outras ambições e formas de estar, como se fossem estes os estranhos, sem a noção de que existe legitimidade no ser de cada um de nós.



(... não vê corações)
ainda sou inocente como uma criança. não, já não sou, não há como conservar essa inocência intacta pelos anos que no-la tentam levar. poder exercê-la em parte é já uma benção e há vestígios em mim dessa inocência que por vezes engana, e outras é enganada. quando uma criança sorri para mim na rua reencontro-me nessa paz, entendo-me. (brinca comigo). quando eu era criança queria crescer e agora que sou crescida quero tantas vezes voltar atrás. mas saber o que sei hoje, olha-olha. rio-me cada vez que caio nesta contradição porque se assim fosse, esta inocência nunca teria sido plena e nem agora, poderia eu resgatar o que dela encontro no meu mais espontâneo reflexo. quando era miúda esfolei os joelhos a jogar futebol mas marquei um golo antes, o que fez com que a dor e a mancha vermelha de tintura de iodo em cada joelho, tivessem valido a pena. hoje, que sou adulta, tenho medo de brincar contigo sem recear magoar-me. (não desistas do que queres, nunca).

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