Tuesday, June 26, 2012

por Ana Rebelo

teletransporte



ninguém tem 26 anos.
dizia hoje o locutor de rádio já não me recordo a propósito de quê. ele mesmo já teve 26 anos, eu lembro-me!, a mesma voz que oiço todas as manhãs desde sempre, a acompanhar o meu ritual de início de dia. e ele lembra-se também, todos nos lembramos da passagem do tempo pelas nossas vidas até porque sempre que nos olhamos os seus sinais são evidentes e inevitáveis. e com isto não falo apenas nos sinais visíveis, tão enganadores, e sim daqueles que estão subentendidos na nossa personalidade, nas nossas acções e comportamentos. eu estou proibida de fazer uma afirmação destas no local de trabalho sob pena de ser interpretada como a velha-do-restelo, já que 90% das pessoas que me rodeiam diariamente tem esta média de idades. é a primeira vez que sou a-mais-velha e talvez quando era a-mais-nova também achasse que a idade nunca é tema. quando andamos pela casa dos vinte's parece que a vida é uma realidade fora de nós e não temos absolutamente consciência nenhuma de que não sabemos quem somos e ainda menos, de que o tempo nunca vai ser suficiente. e se houvesse uma linha a dividir o que nos separa do que julgamos que vamos ser e querer do que realmente seremos e quereremos, achar-nos-íamos os maiores saudosistas e especialmente chatos e provavelmente infelizes, porque já só teremos amigos avós ou que jogam golfe ou que dizem 'ninguém tem 26 anos'.


relax, don't do it.
se estiveres em casa e tiveres uma série de tarefas para fazer, tais como estender a roupa, apanhar a que já está seca, pôr mais uma máquina a lavar, separar o lixo para a reciclagem, arrumar a roupa da semana que ficou em monte em cima do cabide e da cadeira do quarto, passar o biquini por água e sabão e estendê-lo, tirar os pelos das pernas ou mudar a roupa de verão para o armário mais próximo, pensa duas vezes antes de passares o dia deitada no sofá a fazer zapping que nem uma louca, sem qualquer interesse que não passar pelos canais até gastar o botão de borracha do comando. não sei se é uma coisa astrológica, metafísica ou até mesmo viral, mas o mês que passou foi de alguma procrastinação. e quanto mais adiamos certas coisas, menos coragem vamos tendo para enfrentá-las, acreditem, não fosse o monte ter-se transformado numa montanha e depois ser necessário recorrer a serviços externos e que envergonham qualquer mulher de 30 anos (leia-se, à experiência organizacional e incondicional da eterna disponibilidade maternal). mas quando finalmente desbloqueamos e enfrentamos a vida, voltamos a acordar na manhã seguinte com a mesma energia de uma miúda de vinte-e-tal-anos depois de uma noitada frenética e bem regada e um menu do McDonald's ao pequeno-almoço.



não havia necessidade
sem querer ser generalista/ sexista mas tendo a noção de que é a primeira coisa que me vão chamar, há algo de assustadoramente básico nos homens que por vezes me exaspera. como a sua certeza do que nós mulheres queremos deles, assim sem passar sequer pela casa da partida. ou então, de que se lhes dermos um chuto e nunca mais os quisermos ver à frente é porque estamos muito magoadas e tristes e amargas porque eles, sim, eles não nos puderam dar o que nós queríamos. para quem passa a vida a queixar-se de que não fazem a mais pequena ideia do que as mulheres querem, parecem sempre saber bastante acerca do assunto. a ideia de que deixam de acrescentar qualquer valor à nossa vida é-lhes totalmente estranha, até absurda, e é assim que recomeçam os sms enganados, as tentativas kamikaze "vamos ser amigos sem sexo", as viagens só de ida ao outro lado do mundo, e a humildade que nunca até aí tinham realmente provado em actos vem toda ao de cima, como se tivesse estado nas profundezas à espera de ser descoberta numa grande expedição para a qual não tiveram tempo e agora já têm. dá para perceber que, apesar de tudo, quem sabe melhor o que quer para si são mesmo as mulheres? eu chamo-lhes os "wanna be", aquele género que se acha o salvador da velha glória feminina mas que no fundo quer é que o salvem a ele. 


secánevassefaziassecáski.
tenho uma amiga brasileira que diz que nós, as europeias, temos "inverno chique". para ela, o facto de poder usar um cachecol (de pano) em volta do pescoço é a alegria das temperaturas mínimas de aí uns 21º graus e motivo para ir ao shopping renovar o guarda-roupa (o melhor motivo). e nós aqui em Portugal a desejar pelo calor que vem aos poucos, esperando que não tenha sido alienado como os subsídios de férias. a noite mais curta do ano e que antecede à chegada do dia mais longo foi cheia de expectativa mas antes de inaugurarmos o verão ainda tivémos de sentir o peso da chuva nos ombros descobertos. se não houvesse a expectativa, não havia decepção, suportaríamos melhor as tempestades. suportaríamos? e a desilusão transformar-se-ia em quê, em algo vácuo e sem significado? mas, e estar à espera de tudo o que nos irá acontecer não seria absolutamente entediante e desmotivador? a perspectiva de que a dimensão do sonho é proporcional à profundidade da queda é como viver numa outra realidade para a qual não existe volta possível. e aí, é como se perdêssemos o norte, a capacidade de sentir o arrepio de frio e o frisson do calor.


this is your captain speaking.
num destes dias o meu carro foi a reboque pela primeira vez e por coincidência ou não, Portugal perdeu com a Dinamarca. a infracção custou-me mais do que os €120 que tive de pagar para recuperar o meu carrito, custou-me também aqueles primeiros segundos em que a possibilidade de nunca mais o ver ou encontrá-lo irremediavelmente desfeito, ou até mesmo de ser irrecuperável e perdido para sempre nas mãos de outro, foi a coisa mais difícil de encarar. digo-vos já que não foi pacífico. todos nós conhecemos essa desagradável sensação que é ter a certeza de que deixámos qualquer coisa, pensando-a segura, e que quando voltamos para a recuperar ela já não está lá e não fazemos a mínima ideia de como isso aconteceu ou como o permitimos. por onde começar? ai-se-eu-pudesse-voltar-atrás ou e-agora? ou nem-que-tenha-de-dar-outra-volta-ao-mundo. há sempre como começar qualquer coisa que quisermos mesmo se já não é a primeira vez que tentamos. basta estar atento à voz inconveniente cá dentro, e deixar que nos lembre o que nos move e o que subestimámos ou que verdades absolutas deixaram de o ser. depois, simplesmente entregar tudo, tudo mesmo, despindo-nos da pretensão de querer que seja tudo igual ou que o outro se esqueceu da preocupação de poder vir a acontecer de novo. 




(os olhos são o espelho da alma.) 
pois são. e quando eu não falo nem sempre é porque não tenho nada para dizer e se olhares para os meus olhos vais perceber (quase) tudo. é que nem sempre as palavras devem sair pela boca e sim ficar deitadas até conseguirem ser entendidas como deve-de-ser. e no entretanto, aguardam. deixam que outras coisas falem, outras intenções se manifestem. esperar nem sempre significa a vinda do milagre, e sim tão somente, a oportunidade de o protagonizarmos. 




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