Friday, June 15, 2012

por Ana Rebelo

efeito AXE



olhinhos
ao contrário das flores e do amor, que temos de regar muito bem todos os dias para que não murchem, as ideias devem ser das poucas coisas que não se alimentam, e sim nascem de actos espontâneos e inusitados. tenho muitas ideias sem-querer, quando estou em sítios prováveis, sítios onde se pensa muito porque existe uma paragem obrigatória no tempo e que se chama vulgarmente 'estar em trânsito'. no percurso casa-trabalho, de carro ou no metro cheio de pessoas inspiradoras nos seus gestos, olhares e acompanhantes de viagem; na casa de banho por motivos óbvios e menos óbvios (sim, eu canto e danço no chuveiro, mesmo desafinada mas cheia de vontade). mas também tenho ideias daquelas que se cospem cá para fora à velocidade que me ocorrem no pensamento e gosto desses brainstorming inusitados e carregados de emoção e expectativa. esta semana fui desafiada para um encontro de ideias relacionadas com um projecto muito interessante. avisei logo que iam sair coisas parvas e que não ia sentir-me mal por isso e a bem da verdade, as melhores ideias surgem da coragem displicente. para se ser idiota temos de assumir o mais intrínseco 'eu', esquecendo a vergonha que são os gafanhotos que nos saem pela boca à mesma velocidade do entusiasmo, os gritinhos parvos de vitória quando as ideias são mesmo interessantes mas sobretudo, ter a humildade de reinventar aquilo que já foi  inventado com a frescura e cheiro a novinho-em-folha.

ouvidinhos
sábado passado fui ver Jp Simões ao CCB. lembrava-me dele de uma-espécie-de-espectáculo intimista no pátio do Museu do Chiado, por alturas de um ano atribulado, sentado numa cadeira e de viola na mão, um poeta descomprometido na sua capacidade de transformar ideias em palavras e dizê-las com a voz que desejamos um dia, nos sussurre ao ouvido. na altura conhecia pouco do seu trabalho, mas a curiosidade levou-me a percorrer páginas do Google e vídeos no Youtube, até aos tempos dos Belle Chase Hotel e Quinteto Tati e Pop D'el Arte e tantos projectos que são cada uma das nossas vidas vividas numa só vida que é esta. numa altura em que nos sentimos todos um quanto revoltados com o mundo que virámos de pernas para baixo, soube melhor ainda dar voz a tantas coisas que não sabemos expressar em época incerta, como a baixa empregabilidade, a corrupção política ou os tipos que deixam as mulheres para ir à rua comprar cigarros e nunca mais voltam.

boquinha
para a semana começam as festas populares e o Santo António é um santo que merece uma festa. simpatizo com este santo, que me escolheu, talvez pela simplicidade com que segura uma criança nos braços, talvez pelas vestes simples e pés descalços, talvez porque adoro aqueles Sto António kitche de todas as cores, até tenho um cá em casa, todo branquinho em cima de uma pianha dourada. sou o que se chama uma alfacinha de gema, nascida na freguesia mais mediática de Lisboa nos anos 70 e não, não sou filha da maternidade Alfredo da Costa. gosto muito dos bairros de Lisboa, da história que neles se encerra e as festas populares servem para nos relembrar as tradições de Lisboa antiga misturada nos laivos de modernidade das roulottes de farturas e dos concursos para a melhor sardinha Lisboeta. para mim esta festa que celebra a Lisboa mí(s)tica e cheia de manjericos é geralmente a oportunidade para exercer o bairrismo puro-e-duro, para ouvir e bailar ao som da música pimba e gostar, para comer sardinhas no pão em cima de toalhas de plástico aos quadrados vermelhos num vão de escada e gostar, para andar-tudo-ao-molho-e-fé-nos-santos pelas ruas acima até ao Castelo e gostar, enfim, para nos lembrar que Lisboa é das cidades mais bonitas do mundo sem que tenhamos que lê-lo na Times ou vê-la no programa do Bourdain, legitimando-a.


narizinho
o maior dos antídotos para a depressão de um povo é um jogo que faz girar uma bola de um lado para o outro, especialmente em alturas de competição internacional. não querendo menosprezar a grandiosidade do desporto rei - e menos ainda ser atacada na rua por um fanático qualquer - a tristeza e alegria deste nosso povo português pode ser, hoje em dia, medida pelo futebol. fazem-se anúncios a apoiar a selecção, dão-se testemunhos mediáticos que incentivam os nossos jogadores, empregam-se os slogans mais conhecidos para fomentar a união de um país inteiro num mesmo objectivo, numa só missão. esquecem-se os governos e os partidos, os homofóbicos e os católicos, a lei do aborto e da pílula do dia seguinte, os impostos extra, as custas da diária dos jogadores, os lobbys e corrupção e assaltos e violência nas ruas. há mais harmonia no local de trabalho, nos cafés, no encontro com o vizinho que vai passear o cão à rua. e tudo por causa de um jogo que faz girar uma bola de um lado para o outro. contudo, e uma vez mais, é assinalável esta entrega que faz com que ninguém se lembre das coisas importantes para praticar um dever que é o de todos e um dos mais elementares numa sociedade: o patriotismo.


mãozinhas
em tempos de crise evitar os canais de notícias, telejornais e qualquer-semelhança-com-a-realidade-não-é-pura-coincidência. eu acredito nisto e pratico a informação selectiva, entregando-me também a outros prazeres mais terrenos e ociosos como esperar pelas 5as feiras para ver a Anatomia de Grey na FoxLife, mesmo que já conheça de cor e salteado o segredo da mistura. outro dia li algures uma crítica às series e telenovelas que trazem à vida das pessoas sonhos e ilusões que as embrutecem, subvertendo mesmo as mentes mais criativas, tornando-as em vulgares e comuns, como a de qualquer mortal. a provocação custou ao autor reacções ácidas e irreversíveis, pois até as pessoas intelectualmente mais despertas têm direito a desfrutar de prazeres tão simples quanto o não pensar em nada ou gostar de coisas que não tenham necessariamente um objectivo específico. aliás, porque a inteligência também tem o seu preço e uma das facturas a pagar é ter de engolir as barbaridades que se ouvem nas notícias e viver de bem com a vida, sem pensar que os últimos cinco meses que trabalhámos foi para pagar os impostos da empresa pública que é o Estado português. eu cá para mim vou continuar a fazer mapling, a ver a Fox Life e a comer chocolate com manteiga de amendoim como se não houvesse amanhã. chamem-me pobre de espírito.


(o poder da atracção)
daqui a umas horas começa aquele filme, aquele em que o casal outrora separado pelo tempo e pelo espaço se reencontra, agora num outro tempo e noutro espaço que é aquele onde cresceram e se tornaram melhores, para si e para os outros. há uma certa inocência neste reencontro, e ao mesmo tempo, a esperança de que os seus verdadeiros 'eu' se tenham reinventado. há uma expectativa sem expectativas porque já existiram juntos e agora se desenha uma possibilidade que desconhecem, e como as ideias, inadvertidamente, desejam um reencontro que signifique futuro, mesmo não sabendo o dia de amanhã.

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