Monday, October 1, 2012

por Ana Rebelo

crónica-sem-título


olhar sem ver 
há uma espécie de inevitabilidade nos ciclos da vida, aparentemente desligados uns dos outros. hoje somos assim, estamos aqui e tudo parece encaixar (ou não). amanhã estaremos noutro lugar e seremos diferentes, não na essência, mas fruto do percurso que fazemos. e somos sempre nós, a viver várias histórias de vida seguidas, como os capítulos de um livro que lemos com vontade crescente até ao fim. nunca sabemos quando a nossa história vai terminar e talvez seja por isso que existe a esperança, para que continuemos resilientes e com garra e força nas pernas para continuar. a certeza do fim é inevitável mas só depois de escrevermos todos esses capítulos que acabam por convergir em algo (há quem lhes chame destino) e alinhar-se, como os astros, trazendo a razão de tudo o que julgámos não fazer qualquer sentido.


ouvir mais
não é fácil viver por capítulos. somos humanos e a ansiedade aflige-nos. ansiedade, a pior de todas as maleitas, aquele aperto, ai aquele aperto bem no meio do peito que nos lembra constantemente a existência de alguma espécie de perigo em tudo o que é desconhecido. há sempre aqueles capítulos que nos correm menos bem e é certamente por isso que se arrastam, uma espécie de tormento que nos infligimos sem querer, sendo que o sofrimento não é uma escolha, o sofrimento é orgânico e inconsciente, apenas se manifesta de diferentes maneiras consoante o sofredor. e sendo que é tudo irracional, como ignorar o cansaço que nos desafia, fintar o desânimo de não ter-a-certeza-que-amanhã-vai-tudo-ser-melhor... muitas vezes apetece encostar às boxes, como um cavalo cansado de correr. também existem aqueles capítulos que parece que começam bem e afinal não estamos a começar nada. outros há que nunca começam e que insistimos em querer compreender porquê. os sinais, ai os sinais...


boca infame
não existe nem regra nem fórmula para escrever um bom capítulo nas páginas do nosso livro. escreve, apenas. como uma pena, de mão livre. escreve apenas porque gostas de escrever, porque te dignifica, porque te coloca no centro do teu eu, no comando da tua vida, pelo menos naquilo que podes comandar e os teus desejos podes consegui-los. escreve com palavras bonitas e feitas, longas ou efémeras, mas deixa que o capítulo se estenda no tempo tanto quanto assim o coração o determinar. esquece tudo o resto porque não vai fazer diferença - as coisas são porque têm de ser, só por isso. e não falo em conformismo, e sim em desígnio. desilude-te do acaso e de outras desculpas, é o querer que vai determinar quantas são as linhas do teu capítulo.


smell the roses
há alturas em que não sai nada. nada. tudo parecem verdades la palisse, frases que já foram ditas e escritas por alguém que viveu num passado que aprendemos na escola. mas pensando bem, a vida não tem assim tantos segredos. basta estarmos atentos para perceber que há uma ordem natural das coisas que nem sempre vai ser clara ou evidente, que vai dar voltas e voltas até chegar ao sítio onde tem de chegar, que nos vai consumir e entrelaçar-se com outras vidas que, à partida, não fazem qualquer sentido combinadas com a nossa (mas porquê?... pára de perguntar porquê à vida). quando for hora, saberás mudar de página, começa outro capítulo. lá atrás, naquelas maravilhosas páginas que escreveste, sim, maravilhosas porque são tuas, deixaste-as livres para ser quem são, deixaste-as soltas, lá atrás estão as recordações e os elos que vamos entender um dia. talvez. como os copos de champagne.


toca-e-foge
não és tu, sou eu. ali estava ela, sentada em frente a mim. não és tu, sou eu. os seus lábios eram vermelhos, humedeciam com facilidade e fazia com que as palavras se misturassem, apetecia-me tanto beijá-la ao mesmo tempo que sabia que o que ia dizer a seguir era uma desilusão para mim. uma mulher inteligente jamais diria algo tão insultuoso. mas disse. e repetia-o, disfarçado nas mais diversas desculpas, um ror de frases feitas e previsíveis. eu permanecia absorvido pelos seus lábios e confesso, pelo desejo de entrar dentro dela. mas ela continuava. não és tu, sou eu. deixei que continuasse, provavelmente sentia-se na obrigação de aliviar a sua consciência, ou talvez achasse que me faria sentir melhor, por favor, eu só pensava numa coisa naquele momento - possuí-la. já que nada mais ela queria de mim depois de me atormentar os sonhos. afinal, ela adorava clichés.


(a voz que te diz o que já sabias)
mas é tão claro que não és tu. isto não é sobre ti, é só e exclusivamente sobre mim, sobre as páginas de um novo capítulo que comecei a escrever, algumas notas de rodapé ainda por arrumar, mas que escrevo todos os dias, um a seguir ao outro, fielmente ao que contam. é sobre mim porque me deixo ir quando acredito que é assim que se descobrem pessoas e emoções, que se vivem momentos sublimes, que se nos aperta algo entre o peito que se chama ansiedade e que nos faz sentir vivos. é sobre mim porque eu escolho acreditar, eu escolho driblar as minhas expectativas, geri-las ao sabor dos acontecimentos. não és tu, sou EU. eu sou dona da minha vontade. e que privilégio tão doce de que nunca poderei abdicar.

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