Tuesday, May 8, 2012

por Ana Rebelo

bolas de sabão



visão, é preciso ter uma
após quatro dias a viver numa bolha deparo-me com um fenómeno curioso, aparentemente transformado em catástrofe nacional. no facebook, na televisão, em todos os jornais e até na Assembleia da República - como é possível, srs. mandantes deste país? - a campanha do Pingo Doce foi tema central e prioritário. ora bem, assim como quem passou quatro dias a viver numa bolha e aterra neste mundo como se tivesse feito reset só posso concluir que estão todos loucos e os loucos não são as pessoas que correram aos supermercados para aproveitar uma promoção imperdível em tempo de crise para encher as suas despensas porque precisam de comer, de comer, e que me importa a mim os outros que não precisam e também lá foram. é certo que a coisa podia ter sido mais ordeira, a necessidade de passar por cima de alguém nunca deve ser justificação para nada. dito bem e depressa. vivemos um dos periodos mais difíceis da nossa economia e estamos preocupados em averiguar os lucros da Jerónimo Martins. na Assembleia falou-se em ferida no orgulho nacional, humilhação e na polémica do 1º de Maio mas não sejamos hipócritas, orgulho nacional?, humilhação?, talvez se a maioria de nós soubesse o que é não ter o que dar de comer, de comer aos filhos percebesse o que é realmente ter orgulho e sofrer de humilhação. e quantas pessoas são forçadas por este mesmo país e estes mesmos srs. mandantes a trabalhar nos feriados e fins de semana? quantas destas pessoas que correram aos supermercados ficaram sem emprego, sem subsídios, sem capacidade de sustentar a família por causa dos srs. mandantes que agora criticam e se envergonham do país para o qual têm contribuído para afundar. talvez esteja a ser simplista mas entristece-me a falta de visão deste país, falta-nos estratégia. Portugal é uma empresa que precisa de um rebranding cuja missão e valores sejam outros. e de uma visão que acompanhe estes valores de crescimento socio-económico, que esta incapacidade de enxergar mais longe e ultrapassar estigmas sociais totalmente desadequados à nossa realidade já deu o que tinha a dar. mais uma vez digo que estive a viver numa bolha durante quatro dias e talvez a louca seja eu.


em silêncio ouve-se
as minhas pernas ainda se lembravam das longas caminhadas pelas montanhas de Hong Kong, e eu que pensava que esse seria o maior dos desafios. idos três anos de Victoria's Peak, Twins e outras com nomes apelativos e por isso, enganadores, as minhas pernas reconheceram logo nos passos a força necessária para caminhar novamente sem nunca terem hesitado, mesmo que com algum atrevimento por achar que iam ser mais fortes que a minha cabeça. na verdade elas andaram sempre em terra firme, sobre as pedras, a caruma dos pinheiros, as folhas secas e caídas dos campos de oliveiras que ao pisar estalam e nos alertam os sentidos. foi nas minhas pernas e nos meus pés que residiu toda a força anímica para suportar as agressões da natureza e também a sua beleza intacta, permitindo momentos de absoluta comunhão. mas foi a minha cabeça que se perdeu em lugares que desconhecia até então e foi na minha cabeça que se deram todas as transformações que só o silêncio dos dias poderá fazer-me entender, como as respostas que vão surgindo quando dou por mim a perceber, só perceber, sem intenção. quando cheguei a casa tive a primeira das revelações, ali estava eu no meu canto físico e sempre tão difícil de substituir ou equiparar a qualquer outro, para onde sempre volto, acompanhada pelo silêncio onde oiço o palpitar do coração e o mais puro sentimento de reconciliação.


sensível ao paladar
há memórias que conservarei sempre. o seminário, que imediatamente me fez recordar a casa da minha Avó e que nem sempre é uma boa recordação, com o típico cheiro a bafio dos corredores poucas vezes percorridos e salas habitualmente desabitadas, os quartos com camas de ferro e mantas típicas cheias de pó antigo, com as portas pintadas de um castanho seco e escuro com maçanetas de aço simples. as pessoas, as pessoas que sempre nos marcam, nos tocam ao de leve com os seus gestos cheios do mistério que sempre nelas reside em alturas como esta e na possibilidade de nos sentirmos acolhidos numa mesma busca. a chegada, a emoção da chegada carregada de vazio, como quando se quer muito alguma coisa que depois de alcançada nos faz perceber que a maior parte do caminho ainda está por percorrer. o alecrim cortado e partilhado em susurros numa sala que fazia eco. e as laranjas, ai as laranjas, tão boas e tão laranjas, o sumo tão forte quanto o seu sabor doce a escorrer-me pelo queixo e pelas mãos pouco incomodadas em vestir-se de cheiro-laranja. há coisas que nos fazem regressar, numa verdadeira máquina do tempo, sempre que quisermos, sempre que nos chamem para si.


olfacto, persigo-te
dizem que vai haver espectáculo este sábado com a maior lua cheia dos últimos anos. não sei bem que requisitos astronómicos foram precisos para chegar a esta previsão mas pressinto que vai haver muita gente a uivar, a palpitar e a suspirar à bonita e traiçoeira lua. eu gosto muito de ver a lua e tenho um bom spot lá em casa para o fazer. miro-a, cortejo-a, ou será ela a cortejar-me? depois fico sensível e frágil, suspiro e desejo-a com vontades quentes, esperando que me console num abraço. mas ela é provocadora, uma serigaita de todos e de ninguém, tão volátil que não me deixa parar de pensar e suspirar, fazendo-me entrar na máquina do tempo e das emoções que já julgava no arquivo morto.


alma tocada
é ao som de "Summer Madness" de Kool & the Gang que revivo as emoções de ontem. fui ver "Amigos Improváveis" e saí de lá comovida e tão inspirada. sorri o filme inteiro. como é hábito estive calada a maior parte do tempo a seguir, como que a digerir tudo. ultimamente tenho tido muitas emoções que ainda não sei bem descrever e mesmo que quisesse não sei se existiriam palavras tão alargadas quanto o seu espectro. como se quisesse arrumá-las de vez, pronto já está, já fiz e já senti, passa à frente, devidamente etiquetadas porque nenhuma emoção se repete. é raro acontecer-me não saber o que sinto, não sou como o Cavaco Silva que diz que raramente se engana, mas raramente não sei dizer o que sinto. percebi isso tudo esta semana e com uma clarividência enorme concluo que nunca me conhecerei assim tão bem como penso e ainda bem.


(sentir)
o tempo é um suspiro. uma bola de sabão que se desfaz no céu, grande como os nossos sonhos. o tempo só existe porque é preciso justificar o que fazemos ou não fazemos, onde e com quem estamos e o que sentimos, o que queremos o que pensamos, o que perdemos ou ganhamos, o tempo serve para irmos sendo quem somos. o tempo, essa entidade que nunca está disponível e da qual dependemos tanto é o bilhete da professora para os pais a alertar que algo está a mudar. se não houvesse tempo não conheceríamos a resistência da dor, a capacidade das emoções, a alegria da amizade, o prazer da paixão. se não fosse o tempo não teríamos outra alternativa senão deixá-lo passar, apenas assim, por nada que realmente valesse a pena.


1 comment:

  1. visão, tenha uma (espera, isto é um slogan qualquer, oh bolas…)
    Quem a teve foi o Pingo Doce! Quem não a tem foi os mandantes do país, que – de orgulho ferido – atacam uma acção de marketing e vendas similar às que acontecem mundo fora. Há anos que as “Black Fridays” invadem os nossos noticiários e quando acontece no nosso país caí o Carmo e a Trindade (e eleva-se o Pingo Doce).
    As comparações com “O Ensaio sobre a Cegueira” são muitas: a cegueira da promoção faz saltar o Chico-Esperto- Matreiro que há em qualquer português de gema. Não gostei de ver as pessoas. Goste de ver a campanha (que por sinal teve 0 custos de publicidade prévia).

    em silêncio sente-se
    Nos dias apressados em que vivemos -onde o amanhã é quase um ontem – não há tempo para escutar o que ouvimos, dissecar o que sentimos, viver o que vivemos. Andamos a correr até um amanhã que nunca chega.
    viveste numa bolha suspensa (nas tuas pernas?) durante 4 dias onde o agora nunca acaba, e o amanhã nunca chega.
    E nessa suspensão etérea ouviste e reconciliaste!

    sensível, a tudo
    Viver na sinestesia permite-nos viagens inexplicáveis. Pequenas notas de que fazem com que certas memórias nos tomem de um assombro só, tão efémeras como o cheiro.

    (sentir, a curto prazo)
    Hoje o comentário é tão curto como o tempo, esse malvado que nunca me chega e me suga numa espiral de sentidos dispersos.
    Esse mesmo tempo que me obriga a pedir-te desculpa!

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