Monday, May 28, 2012

por Ana Rebelo

pózinhos de perlimpimpim




quem feio vê...
estava no cabeleireiro e enquanto esperava peguei numa revista. não é muito habitual ler revistas no cabeleireiro e menos ainda, esperar. mas esperava com uma revista e um copo de vinho na mão, sim, também não é habitual beber vinho num cabeleireiro mas este cabeleireiro é mais do que um lugar onde vou tratar o cabelo. deixei-me levar por uma crónica numa dessas revistas masculinas que falava sobre o casamento. dizia que os homens são mais românticos do que as mulheres porque só falam em casamento quando estão realmente apaixonados. nunca tinha pensado nisto assim, mas a verdade é que para as mulheres as convenções e a lavagem social a que nos submetem desde cedo dominam, e em parte é possível que por vezes sejamos responsáveis por deitar a perder a espontaneidade de uma das perguntas mágicas da vida. no filme "África Minha", cuja cena de amor mais belo e absoluto é quando Robert Redford lava o cabelo em plena selva a Meryl Streep, esta obriga-o a escolher entre si e o casamento, o que quer dizer o mesmo que escolher entre si e ele próprio (como é que se escolhe em amor?). e por isso passam anos separados e infelizes já sem saber ser sem o outro, para se reencontrarem no único e trágico fim dos verdadeiros amantes. será que o amor só sobrevive mediante negociação das partes? nunca casei mas já fui a muitos casamentos. choro sempre, comovo-me e encho-me da mesma esperança que julgo ver nos olhos dos noivos. no entanto, não posso negar que muito desse desejo é apenas por uma dessas perguntas mágicas da vida e não por um vestido bonito.


cera nos ouvidos
mas ainda há alguma dúvida de que homens e mulheres são diferentes? é claro que são e ainda bem que o são. só que este tema vira facilmente discussão sobre o sexo-dos-anjos quando se sub-entende que a complexidade da mulher é algo negativo em relação à simplicidade do homem. sim, para as mulheres existe o roxo, o púrpura e o fucshia e outras cores intermédias que os homens não conhecem. sim, o cérebro feminino é cheio de caixas de pandora e de música e gavetas desarrumadas e baús sem chave, e o dos homens é dominado pela caixa-do-nada. as gajas são chatas porque não gostam de ver as meias sujas no chão e os gajos são chatos com a porcaria do comando da televisão (não era suposto rimar). até aqui estamos entendidos. e é isso que nos torna a todos tão humanos e tão previsíveis na forma de agir, tanto mas tanto que mesmo assim permanecemos um mistério uns para os outros. e por isso é que existe a música sobre os maridos das outras e as mulheres respondem com uma versão igualmente auto-consciente sobre as mulheres dos outros. há mais paz entre os sexos do que gostaríamos e isso é que nos trama e nos deixa a trepar pelas paredes, porque a malta gosta é de guerra. se há significado para a palavra 'para sempre' que seja esta igualdade tão desafiadora e pela qual vale a pena apreciarmos ainda mais as diferenças do outro.


palavras de a a z
a língua portuguesa é traiçoeira e não, não vou voltar a falar de sabedoria popular ou do nosso Primeiro, é muita palavra gasta, deixo isso para os Homens da Luta e para o Portugalex. gosto muito da língua portuguesa e tenho com ela uma relação fiel. gosto de abrir o diccionário e conhecer palavras novas ao acaso, gosto das palavras que são diferentes porque nos confundem, gosto das palavras ricas com que podemos brincar e tornar nossas, gosto de sublinhar palavras para me lembrar delas mais tarde. gosto de palavras inventadas e das que não se traduzem, como saudade. gosto quando tenho de usar muitas palavras de outra língua para explicar uma só palavra da nossa. e gosto daquelas outras que saem pelos olhos, incisivas, que se vêem nas veias da garganta. não gosto do novo acordo ortográfico. não gosto de sonhar noutra língua. e não gosto quando nem sempre podemos dizer palavras que podem virar-se contra nós só porque são incómodas para os outros e às vezes sinto-me como se tivesse o dedo num buraco de uma barragem cheia e não posso tirá-lo de lá senão elas saem todas, com a força do significado que escondem.


narizinho mágico
mas aqui só há a linguagem das palavras e o meu coração quer falar. exprime-se, contorce-se de medo pelos segredos que guarda e receia revelar nas entrelinhas. assim como há outras alturas em que só um olhar breve pode denunciá-lo. vou verbalizar uma emoção aqui e agora só porque o meu coração está a bombar como se estivesse a ter uma descarga de adrenalina. quero dizer que sou a pessoa mais rica do mundo. não como no anúncio do MOCHE da tmn - que por sinal detesto, pela corrupção de valores explícita, desviante e tão desnecessária nos dias que vivemos. eu sou a pessoa mais rica do mundo, sem qualquer dúvida, a mais afortunada, e por isso tenho a obrigação de o partilhar convosco. sou a pessoa mais rica do mundo porque tenho aquilo que é tudo o que importa: pessoas de quem gostar e que gostam de mim. pessoas que preenchem os espaços da minha agenda, inusitadamente. pessoas que me acompanham pela avenida acima ao telefone, pessoas com quem me sento num banco de varanda a beber um martini ao final da tarde. pessoas que me enviam fotografias mimosas com frases a condizer. pessoas que passam pela minha janela para me dizer adeus, pessoas que me abraçam apertado quando se despedem, pessoas que me fazem rir agarrada à barriga. pessoas que me fazem pensar que posso ser realmente a eterna.


dedos de pianista 
no coaching aprendemos que não há fracasso, só feedback. antes de me ter metido nesta coisa de dar-corda-à-cabeça-das-pessoas, inclusive à minha, não fazia ideia de que existia uma espécie de lounge onde pudéssemos parar para fazer os ajustes necessários em cada etapa de crescimento pelas quais passamos ao longo da vida, e quem pensa que já aprendeu tudo está absolutamente deslumbrado consigo mesmo. mesmo com os meus coachees, a primeira coisa que eles deitam cá para fora é a culpa e o castigo. somos vítimas da nossa própria armadilha que é pensar que o crime já aconteceu e nós somos o primeiro suspeito porque é disso que nos alimenta a sociedade, dando todas as suas faces, a do trabalho que não nos dignifica, e da fila do autocarro que não se respeita, a da família que não nos ouve, a da contribuição para o bem estar do outro, a do amor que já não é espontâneo, a do ginásio que pagamos todos os meses e só lá vamos uma vez. a verdade é que na maioria das vezes o feedback é inexistente, intencionando o fracasso. o que não pode ser deixado à consideração de outros é a nossa obrigação de ser quem somos perante qualquer que seja o evento. sempre que nos auto-boicotamos ao perceber a dificuldade de aprender o que queremos, o caminho será ainda mais difícil e sem sombra de dúvida, desprovido de qualquer emoção.


(... bonito lhe parece)
queria dizer-te que podes pintar as portas de branco. sempre quiseste pintar as portas de branco e eu achava que não ia ficar bem. pinta as portas de branco e lembra-te de mim agora, e não quando dizia para não as pintares. queria dizer-te tanta coisa, ainda e depois de tudo, mesmo assim. e quando penso em dizer-te é como se nunca tivesses saído da minha vida mas depois lembro-me que a voz que estou a ouvir é a do meu coração e não a da minha cabeça, naquela linguagem que só eu sei entender. queria dizer-te que não vale a pena levar a vida tão a sério porque quando nos levamos muito a sério é que ela se enreda. que me lembro de ti com uma ternura imensa e ao mesmo tempo, aterradora. que as coisas más deixei-as lá no buraco escuro onde estive durante muito tempo e do qual não soube como sair durante muito tempo. lembro-me de ti, menino. e nesses momentos os meus olhos enchem-se de marezia ou te deitas debaixo da minha manta para vemos um filme juntos. já dizia a Manuela Azevedo que ninguém quer ser um pateta feliz mas eu fui pateta e feliz contigo e queria.






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