Monday, July 2, 2012

por Ana Rebelo

mais uma volta no carrossel




olho espreitador
o mundo é redondo. foi o que me disse a minha amiga chinesa na despedida, obrigadas a separarmo-nos logo ali, junto à entrada para controle de passaportes. deixávamo-nos cheias de lembranças que ainda não o eram, sabíamos que provavelmente não voltaríamos a ver-nos e que nem sempre isso quer dizer menos que uma amizade intensa a combinar com o que foi um dos períodos mais marcantes da minha vida. senti no abraço dela a força daquelas palavras, mas julgo só agora começar a entender a abrangência do seu significado. de Hong Kong a Lisboa são tantos quilómetros e água e diferenças horárias que marcam toda uma lonjura imutável, uma distância entre o presente e um futuro sem a tentação de parar no meio. mas existem sempre estes recantos onde nos encontramos e encontramos pessoas que nos acompanham pelo tempo necessário - necessário, nem sempre o tempo que tantas vezes gostaríamos. e tal como as pessoas, cada take da nossa vida se vai alinhando e reinventando para dar lugar a outras cruzadas, sem que tenhamos a noção de que o mundo nunca poderia parar para sairmos ou congelar numa fracção de tempo.



ouvido altifalante
nos aeroportos há vozes que vêm do céu. são vozes que nos alertam para qualquer coisa importante, sobretudo quando andamos distraídos. vozes que nos indicam onde é o próximo embarque e que sejamos pacientes e esperemos pela nossa vez. vozes que nos fazem saltar o coração porque anunciam uma chegada há muito desejada, mesmo se a sensação é a de estar em casa em quem chega. gosto muito de partidas e de regressos porque é entre estes dois extremos que reside o melhor de tudo e aquilo que têm em comum: o sorriso aberto sem sabor a distância ou ausência, sem espaço nem lugar, sem mágoa ou desilusão, apenas os abraços apertados que sucedem ao encontro dos olhares, do momento, daquele momento único e intransmissível. é aí que está a felicidade, é sempre aí que ela se renova, como se todas as coisas importantes da vida só pudessem começar assim.


boca(dillo)
pudera eu gritar todos os pensamentos que se cruzam na minha cabeça, que me confundem e por segundos me fazem esquecer de quem sou, em quem me tornei. sou a mesma, sou sempre a mesma mas com mais traços desenhados, mais definições, apenas outras dúvidas e sobretudo, outra forma de lidar com elas. sou a mesma na origem mas que se transforma pelo presente, pela maneira de estar, de pensar e de agir. não há mais completa sensação de bem-estar do que viver esse crescimento, mesmo que por vezes na revelia de estarmos bem connosco quando mais ninguém está. e isso não quer dizer que éramos pior do que somos, fico tão triste quando alguém diz isso, como se fosse possível aqui ter chegado sem ser pelo meu próprio pé.


nariz sisudo
eu sei que há males que vêm por bem e que nada acontece por acaso e essas coisas todas. eu sei, até porque tenho tanto de bem que veio desses males que todos os dias me fazem lembrar que nada, nunca ou quase nunca, é à primeira. e eu vivo isso todos os dias, grata. mas também há outros em que não posso deixar passar tudo assim, como se não importasse nada, como se não tivesse acontecido nada. a princípio talvez sim, todos somos obrigados a aprender como controlar emoções, a ser politicamente correctos, a calar a angústia e a frustração para que nos virem as costas. no entanto, mesmo convencidos de que somos imunes a tudo nem sempre conseguimos controlar o touro que corre desenfreado em direcção a nós, sedento por sangue. 



mãos suaves
sorte ou azar. samba ou fado. tudo é paradoxal e apenas sustentável por sê-lo. no entanto, há quem diga que estamos condenados a ficar sempre na tentativa em vez de liderarmos. sim, também falo de futebol mas é muito mais do que isso. falo de nunca nos darmos uma oportunidade para viver o melhor dos dois mundos, para confiar mesmo se não entendemos o porquê naquele momento imediato. sim, às vezes é mesmo uma questão de sorte ou azar, de ganhar ou perder. mas questionar a vontade, a coragem, o empenho e a infindável crença na capacidade de sonhar que se conseguiu entre uma hipótese e outra, isso é que não.


(sinal de alarme)
preciso de um café com gelo e limão. tenho a cabeça a estalar e como sempre, evito os comprimidos, talvez com receio de ficar sem cabeça, ainda mais do que quando a dor me ataca também as ideias. e lá vem a maldita da insegurança, que o café faça parar a minha cabeça e me devolva a tranquilidade do que o coração sente. não há nada que temer quando o coração quer, pois não?




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